quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

16 Propostas Contra o Encarceramento em Massa - IBCCRIM

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, a Pastoral Carcerária Nacional – CNBB, a Associação Juízes para a Democracia – AJD e o Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação da Universidade de Brasília - CEDD/UNB, elaboraram 16 propostas legislativas que buscam impactar a dinâmica sistêmica do encarceramento em massa no país. Os anteprojetos de lei preveem, dentre outras, alterações que equilibram as penas relacionadas aos crimes mais representados nos cárceres brasileiros – na sua grande maioria crimes patrimoniais cometidos sem violência -, estabelecem critérios objetivos para a decretação da prisão e resgatam a natureza de medida extrema do direito penal, privilegiando outras formas de resolução de conflitos. 

Conforme se depreende das justificativas abordadas pelo IBCCRIM, os projetos de lei não resultarão no fim do dito "Estado de Coisas Inconstitucional", mas possuem o condão de fortalecer medidas imediatas. 

BLOCO I: Regimento Interno da Câmara dos Deputados 

Proposta 1: Análise de impacto econômico como pré-requisito A sugestão é de alterar o Regimento Interno da Câmara dos Deputados para prever como requisito a análise de impacto financeiro e orçamentário de novas leis penais. Deverão ser considerados, por exemplo, eventuais gastos com a criação de novas vagas em presídios. Com isso, os processos de tomada de decisão serão fundados em estudos reais de impacto econômico e social, melhorando a responsabilidade e a qualidade das leis.


BLOCO II: Código Penal 

Proposta 2: Reforçar princípios gerais da lei penal 

a. Extinção da punibilidade quando há a reparação do dano em crimes cometidos sem violência ou grave ameaça. Diversos tribunais já têm reconhecido que o pagamento do dano ou a restituição da coisa subtraída após delitos patrimoniais ou equivalentes muitas vezes resolve o conflito social, tornando dispensável, assim, a aplicação do direito penal, nos moldes do que ocorre com o crime de sonegação fiscal. A proposta visa consolidar esse entendimento, permitindo a extinção da pena nos casos praticados sem violência ou grave ameaça. 

b. Consolidação do princípio da insignificância (bagatela) Esta proposta também visa reconhecer que nem todo ato de conflito é uma questão a ser solucionada pela via penal. O texto reforça que é preciso existir uma “ofensividade mínima” na conduta ou no resultado para um ato ser considerado criminoso. A ofensividade será analisada diante do caso concreto e do impacto real da violação. 

c. Substituição de penas privativas de liberdade por outras restrições de direitos 
A ideia é definir que outras penas restritivas de direito – e não a prisão – sejam a regra para os casos de condenação criminal. A prisão se consolidaria assim, como uma medida excepcional. Aplicadas e executadas corretamente, as penas alternativas ou alternativas penais podem satisfazer a necessidade de resposta a certos conflitos sociais e ainda assim responder à ansiedade por prevenção geral que persiste no imaginário social. 

d. Novas definições sobre reincidência e antecedentes criminais 
Buscando a aplicação do princípio constitucional da presunção de inocência (direito que toda pessoa tem de não ser considerada culpada antes que se prove o contrário), a proposta pretende esclarecer que se consideram reincidência e antecedência criminal apenas os casos em que uma pessoa foi sujeita à decisão condenatória transitada em julgado (definitiva). Os registros policiais e as investigações contra uma pessoa não podem ser utilizados, de qualquer modo, como argumento para aumentar a pena.

e. Reforço para aplicação de atenuantes de penas 
O objetivo é reafirmar que as hipóteses atenuantes sempre devem incidir no cálculo de uma pena, reduzindo-a, ainda que a pena-base tenha sido fixada no mínimo. 

f: Condicionar a acusação à iniciativa da vítima em casos sem violência 
A proposta busca mudar a regra da ação penal para que, em não havendo violência ou grave ameaça e estando a vítima em condições de decidir sobre a gravidade do dano sofrido, ela possa decidir se deseja ou não que se inicie um processo criminal. 

g: Aplicação da Justiça Restaurativa 
Pela proposta, sempre que houver a resolução do caso por outro meio que não o penal, fica demonstrada sua desnecessidade e então será declarado o perdão judicial, com a criação de cláusula expressa sobre essa decisão. Sugerem-se alternativas como círculos restaurativos, mediação e arbitragem, mesmo que realizados em âmbitos civis ou administrativos, para finalizar os conflitos.

Proposta 3: Alterações no crime de furto e roubo 

a. Redução de sanções para o furto 
O furto é um crime patrimonial, cometido sem violência ou grave ameaça, que ainda leva dezenas de milhares de pessoas para a prisão no Brasil. A proposta visa equilibrar a pena aplicável, restringir a aplicação da prisão e facultar o uso de mecanismos de composição do conflito em substituição ao direito penal. 

b. Flexibilização das penas para roubo, de acordo com a ofensividade 
A proposta busca diferenciar os “graus” de violência utilizados no crime de roubo, flexibilizando a pena quando não houver efetivo uso de violência e/ou o bem envolvido seja de pequeno valor.


BLOCO III: Lei de Drogas Proposta 4
Diferenciação de condutas relacionadas a uso e tráfico de drogas

a. Substituição das penas privativas de liberdade por medidas restritivas de direitos 
Em alinhamento com a proposta nº 2, a sugestão é de que outras penas restritivas de direito (não a prisão) sejam a regra em condenações criminais também relacionadas a drogas, especialmente quando se trata de réus primários, de bons antecedentes e sem relação com organizações criminosas.

b. Descriminalização do porte de drogas para uso pessoal e demonstração da finalidade comercial para o crime de tráfico de drogas 

A legislação atual já não prevê pena de prisão para o caso de porte de drogas para uso pessoal, embora ainda conceitue o ato como crime. A distinção entre usuário/a e traficante, porém, ainda não é clara e aplicada de forma seletiva, a partir de critérios subjetivos. A proposta apresenta alguns parâmetros para a diferenciação, destacando a necessidade de comprovação do tráfico como atividade comercial, ou seja, com finalidade de lucro, além de abolir o porte para uso pessoal como crime. 

c. Definição clara para “associação para tráfico de drogas” 
O objetivo da proposta é limitar a aplicação de reprimenda específica a partir do momento em que se deve comprovar que a pessoa acusada se associa para a prática reiterada de crimes relacionados a drogas, diferente dos casos de eventualidade da prática.

BLOCO IV: Crimes Hediondos 

Proposta 5: Mudanças na aplicação de pena de crimes “hediondos” 
A proposta visa diferenciar o indulto natalino da “graça” e “anistia”, que não podem ser aplicadas aos crimes hediondos, reforçando que o indulto, ferramenta de política criminal, pode e deve ser estendida a todos os casos possíveis. BLOCO V: Código de Processo Penal 

Proposta 6: Criação do/a juiz/a de garantias 
Que seja estabelecida no sistema penal brasileiro a função de “juiz/a de garantias”, para atuar na fase da investigação, de forma separada do/a juiz/a que atua no processo. Desse modo, no processo criminal, a decisão tomada recairá sobre o mérito do caso e poderá haver uma análise verdadeiramente imparcial sobre a legalidade dos atos praticados na fase de investigação. 

Proposta 7: Validade dos mandados de busca e apreensão 
A proposta prevê que sejam consideradas inválidas fontes de prova obtidas a partir de mandado de busca e apreensão insuficiente motivado. Com isso, seria garantido mais cuidado e zelo na expedição desses mandados. A sugestão também prevê maior rigor quanto ao deferimento, pelo Poder Judiciário, da medida de prisão cautelar.

Proposta 8: Regras claras para interrogatório em sede policial 
Não há atualmente regras específicas para a realização do interrogatório durante a fase policial. A proposta estabelece um roteiro mínimo de perguntas a serem feitas pela autoridade policial, tempo máximo de duração do ato, a obrigatoriedade da presença de defensor/a e previsão específica sobre o oferecimento de vantagens por parte de autoridade policial, entre outras. 

Proposta 9: Prazo para investigação 
A duração razoável do processo é um direito constitucional. A sugestão é de estabelecer um prazo máximo de 720 dias para duração de inquérito e prever o limite de apenas uma prorrogação nesse prazo, evitando a abertura de espaços para arbitrariedades e abusos, com investigações sem prazo algum de conclusão. 

Proposta 10: Garantir intimidade e proteção contra exposição midiática 
A sugestão busca garantir a discrição e o sigilo necessários à elucidação de fatos investigados, assim como preservar a intimidade e vida privada das pessoas e famílias envolvidas em procedimentos criminais, respeitando o princípio da presunção de inocência (direito de não ser considerada culpada até decisão condenatória definitiva). A responsabilidade pela garantia dessa proteção seria das autoridades envolvidas. Proposta 11: Exigência de que haja produção de provas na fase processual Obrigar que sejam produzidas, em juízo, provas para motivar decisões que apliquem prisão ou outra medida restritiva de direitos. O objetivo é evitar que decisões judiciais sejam a mera reprodução de informações de fases anteriores, como, por exemplo, testemunhos de policiais que atuaram na prisão da pessoa acusada, elementos colhidos na investigação preliminar ou por meio de colaboração processual.

Proposta 12: Extinção da hipótese de condução coercitiva 
A proposta pretende resguardar o direito constitucional de não produzir provas contra si mesmo/a, preservando a autonomia de uma pessoa investigada ou acusada em processo penal. Prevê que, caso a pessoa não queira estar presente a determinado ato judicial, que lhe seja dada a oportunidade de apresentar sua justificativa por meio de defensor/a. 

Proposta 13: Nulidade do flagrante preparado e consolidação das audiências de custódia 
O objetivo da mudança é coibir a prática policial de instigar determinada conduta para promover uma prisão em flagrante. Essas prisões abusivas já são proibidas por Súmula do Supremo Tribunal Federal, mas ainda são frequentes, especialmente em casos de crime permanente, como por exemplo o tráfico de drogas. Pela proposta, esse tipo de conduta policial basta para se considerar a prisão nula logo na audi- ência de custódia, conduzida por autoridade judicial - que se consolidaria como ato obrigatório em até 24 horas após a realização de toda prisão em flagrante. 

Proposta 14: Mudança de critérios e condições para flagrante e prisão provisória 
Mais de 30% da população carcerária do Brasil é constituída por presos provisórios. Esta proposta pretende desencorajar a manutenção de prisão provisória após flagrantes, a partir da relativização da prova testemunhal da autoridade policial que tenha efetuado o flagrante. Além disso, sugere hipóteses taxativas para o uso da prisão preventiva (uma das espécies de prisão provisória), prazos para sua duração e controle jurisdicional periódico ao longo de sua aplicação. Propõe, ainda, alterar o regime de concessão de liberdade mediante fiança, considerando a realidade socioeconômica da maioria das pessoas nessa situação. 

BLOCO VI: Execução penal e medidas de segurança 

Proposta 15: Melhorar e cumprir as condições de cumprimento de pena 

a. Sistema de apuração e punição de faltas disciplinares na prisão 
A proposta pretende adequar o procedimento de apuração de falta disciplinar de natureza grave dentro dos presídios, contornando o impacto dessas punições internas no aumento no tempo de encarceramento e a postergação das progressões de regime, concessão de livramento condicional e indulto. 

b. Mais hipóteses de prisão domiciliar 
Criam-se mais hipóteses de prisão domiciliar para gestantes, mulheres e homens com filhos pequenos e pessoas com deficiência severa ou doença grave, reduzindo o índice de mortalidade nos presídios e evitando o rompimento de vínculos familiares. 

c. Eficiência do sistema de progressão 
Para contornar a morosidade de decisões sobre progressão de regime, que muitas vezes impede o exercício de direitos adquiridos e mantém pessoas presas além do tempo devido, a proposta pretende otimizar o sistema de progressão de regimes de cumprimento de pena. 

d. Adequação da execução das medidas de segurança à Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/01) e à Política Nacional de Atenção à Pessoa com Sofrimento Mental 
A proposta traz parâmetros de adequação entre legislações penais e de atenção à saúde da pessoa com transtorno psiquiátrico, a fim de que pessoas cumprindo as chamadas “medidas de segurança” recebam tratamento diferenciado, devidamente atualizado e em conformidade com a Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2011) - que menciona a internação psiquiátrica como “medida extrema e necessariamente breve”. 

BLOCO VII: Ouvidorias Externas no Sistema de Justiça 

Proposta 16: Criação de ouvidorias externas em todas as instituições de justiça 
A proposta apresentada pretende que o modelo de Ouvidoria Externa já adotado pelas Defensorias Públicas Estaduais seja estendido às demais instituições do sistema de justiça (Ministérios Públicos Estaduais e da União, Tribunais de Justiça, Regionais Federais e Superiores, Defensoria Pública da União), bem como da administração penitenciária (Sistemas Penitenciários Estaduais e Federal), para consolidar esse mecanismo de participação, promoção da qualidade e democratização da administração pública.

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