O Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais – IBCCRIM, a Pastoral
Carcerária Nacional – CNBB, a Associação Juízes
para a Democracia – AJD e o Centro de Estudos
em Desigualdade e Discriminação da Universidade
de Brasília - CEDD/UNB, elaboraram 16 propostas
legislativas que buscam impactar a dinâmica sistêmica do encarceramento em massa no país.
Os anteprojetos de lei preveem, dentre
outras, alterações que equilibram as penas relacionadas
aos crimes mais representados nos cárceres
brasileiros – na sua grande maioria crimes
patrimoniais cometidos sem violência -, estabelecem
critérios objetivos para a decretação da
prisão e resgatam a natureza de medida extrema
do direito penal, privilegiando outras formas de
resolução de conflitos.
Conforme se depreende das justificativas abordadas pelo IBCCRIM, os projetos de lei não resultarão no fim do dito "Estado de Coisas Inconstitucional", mas possuem o condão de fortalecer medidas imediatas.
BLOCO I: Regimento Interno
da Câmara dos Deputados
Proposta 1: Análise de impacto
econômico como pré-requisito
A sugestão é de alterar o Regimento Interno da Câmara
dos Deputados para prever como requisito a análise de
impacto financeiro e orçamentário de novas leis penais.
Deverão ser considerados, por exemplo, eventuais gastos
com a criação de novas vagas em presídios. Com
isso, os processos de tomada de decisão serão fundados
em estudos reais de impacto econômico e social,
melhorando a responsabilidade e a qualidade das leis.
BLOCO II: Código Penal
Proposta 2: Reforçar princípios
gerais da lei penal
a. Extinção da punibilidade quando há a reparação
do dano em crimes cometidos sem violência ou
grave ameaça. Diversos tribunais já têm reconhecido que o pagamento
do dano ou a restituição da coisa subtraída após delitos
patrimoniais ou equivalentes muitas vezes resolve o
conflito social, tornando dispensável, assim, a aplicação do direito penal, nos moldes do que ocorre com o
crime de sonegação fiscal. A proposta visa consolidar
esse entendimento, permitindo a extinção da pena nos
casos praticados sem violência ou grave ameaça.
b. Consolidação do princípio da insignificância
(bagatela)
Esta proposta também visa reconhecer que nem todo
ato de conflito é uma questão a ser solucionada pela via
penal. O texto reforça que é preciso existir uma “ofensividade
mínima” na conduta ou no resultado para
um ato ser considerado criminoso. A ofensividade será
analisada diante do caso concreto e do impacto real da
violação.
c. Substituição de penas privativas de liberdade por
outras restrições de direitos
A ideia é definir que outras penas restritivas de
direito – e não a prisão – sejam a regra para os
casos de condenação criminal. A prisão se consolidaria
assim, como uma medida excepcional.
Aplicadas e executadas corretamente, as penas
alternativas ou alternativas penais podem satisfazer
a necessidade de resposta a certos conflitos sociais
e ainda assim responder à ansiedade por prevenção
geral que persiste no imaginário social.
d. Novas definições sobre reincidência e antecedentes
criminais
Buscando a aplicação do princípio constitucional da
presunção de inocência (direito que toda pessoa tem de não ser considerada culpada antes que se prove
o contrário), a proposta pretende esclarecer que se
consideram reincidência e antecedência criminal
apenas os casos em que uma pessoa foi sujeita à
decisão condenatória transitada em julgado (definitiva).
Os registros policiais e as investigações contra
uma pessoa não podem ser utilizados, de qualquer
modo, como argumento para aumentar a pena.
e. Reforço para aplicação de atenuantes de penas
O objetivo é reafirmar que as hipóteses atenuantes
sempre devem incidir no cálculo de uma pena,
reduzindo-a, ainda que a pena-base tenha sido
fixada no mínimo.
f: Condicionar a acusação à iniciativa da vítima em
casos sem violência
A proposta busca mudar a regra da ação penal para
que, em não havendo violência ou grave ameaça
e estando a vítima em condições de decidir sobre
a gravidade do dano sofrido, ela possa decidir se
deseja ou não que se inicie um processo criminal.
g: Aplicação da Justiça Restaurativa
Pela proposta, sempre que houver a resolução do
caso por outro meio que não o penal, fica demonstrada
sua desnecessidade e então será declarado o
perdão judicial, com a criação de cláusula expressa
sobre essa decisão. Sugerem-se alternativas como
círculos restaurativos, mediação e arbitragem,
mesmo que realizados em âmbitos civis ou administrativos,
para finalizar os conflitos.
Proposta 3: Alterações no crime
de furto e roubo
a. Redução de sanções para o furto
O furto é um crime patrimonial, cometido sem violência
ou grave ameaça, que ainda leva dezenas de milhares
de pessoas para a prisão no Brasil. A proposta visa
equilibrar a pena aplicável, restringir a aplicação da
prisão e facultar o uso de mecanismos de composição
do conflito em substituição ao direito penal.
b. Flexibilização das penas para roubo, de acordo
com a ofensividade
A proposta busca diferenciar os “graus” de violência
utilizados no crime de roubo, flexibilizando a pena
quando não houver efetivo uso de violência e/ou o
bem envolvido seja de pequeno valor.
BLOCO III: Lei de Drogas
Proposta 4
Diferenciação
de condutas relacionadas
a uso e tráfico de drogas
a. Substituição das penas privativas de liberdade por
medidas restritivas de direitos
Em alinhamento com a proposta nº 2, a sugestão é
de que outras penas restritivas de direito (não a prisão)
sejam a regra em condenações criminais também
relacionadas a drogas, especialmente quando
se trata de réus primários, de bons antecedentes e
sem relação com organizações criminosas.
b. Descriminalização do porte de drogas para uso
pessoal e demonstração da finalidade comercial
para o crime de tráfico de drogas
A legislação atual já não prevê pena de prisão para
o caso de porte de drogas para uso pessoal, embora
ainda conceitue o ato como crime. A distinção entre
usuário/a e traficante, porém, ainda não é clara
e aplicada de forma seletiva, a partir de critérios
subjetivos. A proposta apresenta alguns parâmetros
para a diferenciação, destacando a necessidade de
comprovação do tráfico como atividade comercial,
ou seja, com finalidade de lucro, além de abolir o
porte para uso pessoal como crime.
c. Definição clara para “associação para tráfico de
drogas”
O objetivo da proposta é limitar a aplicação de reprimenda
específica a partir do momento em que se
deve comprovar que a pessoa acusada se associa para
a prática reiterada de crimes relacionados a drogas,
diferente dos casos de eventualidade da prática.
BLOCO IV: Crimes Hediondos
Proposta 5: Mudanças na
aplicação de pena de crimes
“hediondos”
A proposta visa diferenciar o indulto natalino da
“graça” e “anistia”, que não podem ser aplicadas
aos crimes hediondos, reforçando que o indulto,
ferramenta de política criminal, pode e deve ser
estendida a todos os casos possíveis.
BLOCO V: Código de
Processo Penal
Proposta 6: Criação do/a juiz/a
de garantias
Que seja estabelecida no sistema penal brasileiro a
função de “juiz/a de garantias”, para atuar na fase
da investigação, de forma separada do/a juiz/a que
atua no processo. Desse modo, no processo criminal,
a decisão tomada recairá sobre o mérito do
caso e poderá haver uma análise verdadeiramente
imparcial sobre a legalidade dos atos praticados na
fase de investigação.
Proposta 7: Validade dos
mandados de busca e apreensão
A proposta prevê que sejam consideradas inválidas
fontes de prova obtidas a partir de mandado de
busca e apreensão insuficiente motivado. Com isso,
seria garantido mais cuidado e zelo na expedição
desses mandados.
A sugestão também prevê maior rigor quanto ao
deferimento, pelo Poder Judiciário, da medida de
prisão cautelar.
Proposta 8: Regras claras para
interrogatório em sede policial
Não há atualmente regras específicas para a realização
do interrogatório durante a fase policial. A
proposta estabelece um roteiro mínimo de perguntas
a serem feitas pela autoridade policial, tempo
máximo de duração do ato, a obrigatoriedade da
presença de defensor/a e previsão específica sobre o
oferecimento de vantagens por parte de autoridade
policial, entre outras.
Proposta 9: Prazo para
investigação
A duração razoável do processo é um direito constitucional.
A sugestão é de estabelecer um prazo
máximo de 720 dias para duração de inquérito e
prever o limite de apenas uma prorrogação nesse
prazo, evitando a abertura de espaços para arbitrariedades
e abusos, com investigações sem prazo
algum de conclusão.
Proposta 10: Garantir intimidade
e proteção contra exposição
midiática
A sugestão busca garantir a discrição e o sigilo
necessários à elucidação de fatos investigados,
assim como preservar a intimidade e vida privada
das pessoas e famílias envolvidas em procedimentos
criminais, respeitando o princípio da presunção de
inocência (direito de não ser considerada culpada
até decisão condenatória definitiva). A responsabilidade
pela garantia dessa proteção seria das autoridades
envolvidas.
Proposta 11: Exigência de que
haja produção de provas na fase
processual
Obrigar que sejam produzidas, em juízo, provas
para motivar decisões que apliquem prisão ou outra
medida restritiva de direitos. O objetivo é evitar
que decisões judiciais sejam a mera reprodução de informações de fases anteriores, como, por exemplo,
testemunhos de policiais que atuaram na prisão da
pessoa acusada, elementos colhidos na investigação
preliminar ou por meio de colaboração processual.
Proposta 12: Extinção da
hipótese de condução coercitiva
A proposta pretende resguardar o direito constitucional
de não produzir provas contra si mesmo/a,
preservando a autonomia de uma pessoa investigada
ou acusada em processo penal. Prevê que, caso
a pessoa não queira estar presente a determinado
ato judicial, que lhe seja dada a oportunidade de
apresentar sua justificativa por meio de defensor/a.
Proposta 13: Nulidade do
flagrante preparado e
consolidação das audiências de
custódia
O objetivo da mudança é coibir a prática policial de
instigar determinada conduta para promover uma
prisão em flagrante. Essas prisões abusivas já são
proibidas por Súmula do Supremo Tribunal Federal,
mas ainda são frequentes, especialmente em casos
de crime permanente, como por exemplo o tráfico de
drogas. Pela proposta, esse tipo de conduta policial
basta para se considerar a prisão nula logo na audi-
ência de custódia, conduzida por autoridade judicial
- que se consolidaria como ato obrigatório em até 24
horas após a realização de toda prisão em flagrante.
Proposta 14: Mudança de
critérios e condições para
flagrante e prisão provisória
Mais de 30% da população carcerária do Brasil é
constituída por presos provisórios. Esta proposta
pretende desencorajar a manutenção de prisão provisória
após flagrantes, a partir da relativização da
prova testemunhal da autoridade policial que tenha
efetuado o flagrante. Além disso, sugere hipóteses
taxativas para o uso da prisão preventiva (uma
das espécies de prisão provisória), prazos para sua
duração e controle jurisdicional periódico ao longo
de sua aplicação. Propõe, ainda, alterar o regime de
concessão de liberdade mediante fiança, considerando
a realidade socioeconômica da maioria das
pessoas nessa situação.
BLOCO VI: Execução penal
e medidas de segurança
Proposta 15: Melhorar e cumprir as
condições de cumprimento de pena
a. Sistema de apuração e punição de faltas disciplinares
na prisão
A proposta pretende adequar o procedimento de
apuração de falta disciplinar de natureza grave
dentro dos presídios, contornando o impacto
dessas punições internas no aumento no tempo
de encarceramento e a postergação das progressões
de regime, concessão de livramento condicional
e indulto.
b. Mais hipóteses de prisão domiciliar
Criam-se mais hipóteses de prisão domiciliar para
gestantes, mulheres e homens com filhos pequenos
e pessoas com deficiência severa ou doença grave,
reduzindo o índice de mortalidade nos presídios e
evitando o rompimento de vínculos familiares.
c. Eficiência do sistema de progressão
Para contornar a morosidade de decisões sobre
progressão de regime, que muitas vezes impede o
exercício de direitos adquiridos e mantém pessoas
presas além do tempo devido, a proposta pretende
otimizar o sistema de progressão de regimes de
cumprimento de pena.
d. Adequação da execução das medidas de segurança
à Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/01)
e à Política Nacional de Atenção à Pessoa com
Sofrimento Mental
A proposta traz parâmetros de adequação entre
legislações penais e de atenção à saúde da pessoa
com transtorno psiquiátrico, a fim de que pessoas
cumprindo as chamadas “medidas de segurança”
recebam tratamento diferenciado, devidamente atualizado
e em conformidade com a Lei da Reforma
Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2011) - que menciona a
internação psiquiátrica como “medida extrema e
necessariamente breve”.
BLOCO VII: Ouvidorias Externas
no Sistema de Justiça
Proposta 16: Criação de
ouvidorias externas em todas as
instituições de justiça
A proposta apresentada pretende que o modelo de
Ouvidoria Externa já adotado pelas Defensorias
Públicas Estaduais seja estendido às demais
instituições do sistema de justiça (Ministérios
Públicos Estaduais e da União, Tribunais de Justiça,
Regionais Federais e Superiores, Defensoria Pública
da União), bem como da administração penitenciária (Sistemas Penitenciários Estaduais e Federal),
para consolidar esse mecanismo de participação,
promoção da qualidade e democratização da administração
pública.
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