quinta-feira, 28 de julho de 2016

Direito de Laje ou Direito de Sobrelevação - Algumas considerações sobre o direito de superfície de 2º grau

Amigos e amigas, boa noite. Hoje venho trazer alguns pontos que versam sobre o tal "direito de laje" ou "direito de sobrelevação". O assunto é interessante aos olhos daqueles que apreciam os estudos sobre a função social da propriedade urbana, regularização fundiária e direito à moradia. 

- Propriedade, função social, habitação e direito real de superfície

Como é de conhecimento geral, não é mais possível falar em direito de propriedade absoluto e irrestrito. Nesse sentir, necessário partir de uma (re)leitura constitucional do direito de superfície, sendo essencial à própria abordagem do tema aqui trabalhado. Aliás, a própria releitura do direito civil à luz da CRFB/88 se reflete na mutação de muitos dos seus institutos basilares, ora defasados, o que os torna compatíveis com as demandas sociais e econômicas da sociedade atual, conforme as lições do Prof. Gustavo Tepedino (UERJ).

Nesse cenário, o direito de superfície encontra amplo espaço de preferência teórica quando se estuda questões habitacionais, justamente pela importância conferida aos esforços para se efetivar o cumprimento da tal função social da propriedade. Outra conclusão não há, até em razão da consagração do direito de superfície tanto no âmbito do CC/02 como no âmbito do direito urbanístico, como instrumento de política habitacional e urbana.

Assim, dessas premissas, o direito de superfície tem muito a contribuir com o objetivo de democratizar o acesso à terra urbana e o de dinamizar o mercado imobiliário, permitindo a separação do direito de construir do direito de propriedade, barateando o processo de construção civil e fomentando a produção habitacional.

Conceitualmente, entende-se o direito de superfície como o direito real autônomo, temporário ou perpétuo, de fazer e manter construção ou plantação sobre ou sob terreno alheio; é a propriedade – separada do solo – dessa construção ou plantação, bem como é a propriedade decorrente da aquisição feita ao dono do solo de construção ou plantação nele já existente.

- Direito de Sobrelevação

Patrícia Magno (DPE/RJ) conceitua o direito de sobrelevação como um direito de superfície que o primeiro superficiário concede a outrem para que construa sobre a primeira propriedade separada superficiária.

Hodiernamente, o nosso direito não recepciona a ideia de propriedades superpostas sem a propriedade indivisa da fração ideal do solo por parte de todos os proprietários sem a propriedade indivisa da fração ideal do solo por parte de todos os proprietários distintos, conforme se extrai das lições de Ricardo Pereira Lyra.

Noutro giro, dos fatos sociais surgem as modificações que se irradiam no próprio direito, o que, como se sabe, torna-o um saber não estático e mutável. Partindo desse pensamento de essencialidade da realidade social, surge o "direito de sobrelevação", oriundo das favelas do Rio de Janeiro. Este direito pressupõe a alienação do direito de construir a terceiro, sobre a laje do alienante. É a alienação gratuita ou onerosa da laje para que se construa.

Marco Aurélio Bezerra de Mello (TJ/RJ-EMERJ) identifica esse fenômeno social como "direito de laje" e que, de certa forma, é um mecanismo paraestatal de aplicação do direito de superfície.

Para ilustrar: imagine uma comunidade localizada em um morro. Não há espaços para se construir no solo, porém em muitas casas há lajes sem utilidades. O dono de uma dessas lajes aliena o espaço para terceiro construir e dar a devida continuidade às acessões.

Para ilustrar (2): Tive uma professora na graduação que trabalhou durantes muitos anos em uma associação de moradores, sendo esta localizada em uma grande comunidade aqui no RJ. Naquele mesmo local, os 'proprietários' alienavam suas lajes, havia uma troca de 'títulos' e diversos 'procedimentos' burocráticos, mas de natureza não oficial (estatal).

Insta salientar que tal superfície de segundo grau não consta nos diplomas em vigor, seja no CC, seja no Estatuto da Cidade.  Isto faz concluir que a interpretação conferida aos dispositivos que versam sobre a matéria "superfície" deverá ser permeada por uma tábua axiológica, capaz de sintonizar este direito real às novas demandas sociais atinentes ao direito à moradia.

Logo, o direito de laje vem contando com crescente e substancial aplicabilidade no campo das relações jurídicas.
O tema ganhou relevância nos certames da DPE/RN (2ª fase 2015-2016) e DPE/BA (2016 - programa de direito civil)




MAGNO, Patrícia. Direito de Laje: uma análise civil- constitucional do direito de superfície. Disponível em <http://www.patriciamagno.com.br/wp-content/uploads/2014/08/PM_DIREITO-DE-LAJE.pdf?f00170>.Acesso em 29 de julho de 2016.

TEPEDINO, Gustavo Mendes. Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 2. ed.. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.


quarta-feira, 27 de julho de 2016

Respostas do Quiz de 27/07 (NCPC) - Twitter

Amigos e amigas, após algumas reivindicações, compilei algumas respostas das assertivas que têm sido abordadas no Ttwitter do @BizuDefensorias. Hoje de madrugada teve quiz de NCPC. Bons estudos :) 


Respostas do Quiz de 26/07 (NCPC)

1.                                          Potter, através de seu adv... litigância de má-fé – letra “b” multa não superior a 1% e inferior a 10% – art. 81 NCPC;

2.                                          Na assistência simples, revel... o assistente será considerado o seu gestor de negócioserrada – art. 121, p. Único do  NCPC;

3.                                          Amicus Curiae poderá alterar competência, interpor recurso...errada – art. 138 §1º do NCPC;

4.                                          O recorrente que não comprovar o recolhimento, intimado p/ realizar o recolhimento em dobro... – correta – art. 1007 §4º NCPC;

5.                               Sobre desinteresse na autocomposição, o réu deverá manifestar necessariamente na contestação – errada – Art. 334, §5º do NCPC;

6.                                          Na aud. de autocomposição, as partes podem constituir representantes, procuração específica, para transigir correta -  Art. 334, §10  NCPC;

7.                                          P/ conceder tutela de urgência, o juiz deve exigir caução real/fidejuss, somente dispensada mediante justif prévia – errada – Art. 300, §1º NCPC;

8.                                          O arresto, sequestro, arrolamento de bens, são alguns dos meios p efetivação tutela de urgência de natureza cautelar – correta – Art. 301 NCPC;

9.                                          Autor poderá liquid/exec a obrig da decisão q julgar parcialmente o mérito, independ de caução, ainda q haja recurso correta  - Art. 356, §2º NCPC;

10.                                      Defensor público ñ compareceu à audiência. o Juiz poderá – letra “a” “dispensar a produção de provas” – Art. 362, §2º do NCPC;

11.                                      A audiência poderá ser integralmente gravada, pelas partes, em imagem e em áudio...- letra “a”  “indep. de aut. judicial” – Art. 367 §6º do NCPC;

12.                                      Independ. de caber AI, as questões da fase conhec, ñ cobertas pela preclusão, devem constar em prelim de apelaçã/crr – errada - Questões não suscitadas em AI e que sejam enumeradas no rol do art. 1.015 do NCPC são fulminadas pela preclusão. (caiu na PGM – Campinas 2016);

13.                                      Em ACP o MP requer prova pericial, postula q o município processado é quem deve arcar. Segundo o STJ, ficará a cargo... – letra “d” – Fazenda Estadual (MPE vinculado)


TJRJ - 0007387-43.2009.8.19.0003 - APELACAO 1ª Ementa DES. ALCIDES DA FONSECA NETO - Julgamento: 24/11/2015 - DECIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. HONORÁRIOS PERICIAIS. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. Sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão exordial e reconheceu a sucumbência recíproca, determinando o rateio das despesas processuais, a compensação dos honorários advocatícios e o depósito em juízo, na proporção de 50% para cada uma das partes, dos honorários periciais homologados, em obediência à preclusa decisão que havia determinado o recolhimento ao final pela parte vencida. Jurisprudência firmada pela Primeira Seção da Egrégia Corte Superior, sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, no sentido de que encargo financeiro para a realização da prova pericial deve recair sobre a Fazenda Pública à qual o Ministério Público estiver vinculado, por meio da aplicação analógica da súmula 232 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Processo Penal - DPE/RJ - Prova Escrita 2015 - Flagrante e Provas


O primeiro comentário sobre a questão versa sobre a parte final do enunciado, pois a banca desejava as teses favoráveis a Tício e não a medida processual propriamente dita. Porém, caso houvesse a citação do instrumento cabível em conjunto com as teses desejadas, em nada poderia prejudicar. Ultrapassada essa observação, passemos a exposição dos argumentos favoráveis a Tício, que são dois:

a) não houve consentimento de Tício, livre e espontâneo;
b) o flagrante exige certeza pessoal prévia.

Essa questão é bem defensoria, tanto que se fosse aplicada em provas para as outras carreiras, teríamos respostas bem diferentes. Haveria, provavelmente, que se falar da ideia de que a posse de arma de fogo configura crime permanente, e que enquanto não cessada a permanência a situação flagrancial continuaria a se estender, o que legitimaria a ação policial, sendo a prova, em sua plenitude, lícita.

Para a defensoria, isso não basta, pois a situação objetiva flagrancial não pressupõe a legalidade das provas obtidas, o que demanda a necessária certeza prévia. Frise-se que a todo tempo, o policial estava a abordar Tício sob a acusação de tráfico de drogas. Contudo, o que foi encontrado no domicílio de Tício, diversamente do esperado, foi uma arma de fogo, situação esta que faz constatar crime totalmente desconexo com aquele que se esperava apurar.

Plus instrumental (caso coubesse. Lembrando que não era essencial para a banca, conforme se depreende do enunciado):

1ª alternativa:  relaxamento de prisão (mais tímida);
2ª alternativa: pedir o "trancamento" do inquérito policial (mais ousada), via habeas corpus.
Lógica: o que justificaria o próprio inquérito? a posse da arma de fogo. Nesse sentido, sob o fundamento de que se chegou a essa posse de forma ilícita não haveria que se falar em prosseguimento do próprio procedimento em sede policial.

Leitura defensiva do inciso XI do art. 5º da CRFB/88 ("a casa é asilo inviolável do indivíduo...") com base no caso concreto:

a) o fato de não ter sido um consentimento livre e espontâneo, sendo, pelo contrário, viciado por completa coação;
b) Ainda que se fale em flagrante local (e de fato havia), isso não é suficiente, tendo em vista a leitura do inciso XI do art. 5º,  pois para se configurar uma abordagem em conformidade com a própria constituição, esta teria que ceder à certeza visual prévia do flagrante.

Amparo para as teses: Marcos Paulo (DPE/RJ), Geraldo Prado, Nicolitt (TJ/RJ).

Bons estudos!

sábado, 23 de julho de 2016

Mulher, Gênero e Direitos Humanos: Convenção de Belém do Pará e o caso Maria da Penha vs Brasil

Desde a criação deste espaço (o que não faz muito tempo rs) quero abordar a respeito de temas atinentes a gênero e feminismo, em um diálogo interessante com a proteção aos direitos humanos. São matérias que têm sido desejadas, inclusive, pelas diversas bancas examinadoras em pontuais concursos pelo Brasil. Além disso, acredito que o Direito, como ciência não estática que é, tende a se amoldar às novas demandas sociais e políticas. Nesse viés, tais questões (gênero, proteção à mulher, empoderamento, igualdade substancial etc.) têm exigido reformas, principalmente, no e do próprio pensamento político daqueles que participam da condução direta do nosso Estado. Assim, torna-se importante compreender, ainda que superficialmente, essa dinâmica protetiva.

Nas últimas décadas, amplas reformas legislativas, sobretudo na área do direito constitucional, direito das famílias, direito do trabalho e do direito penal, foram realizadas, visando estabelecer a igualdade entre os gêneros. No campo internacional, isso não se deu de forma diferente.

Gênero? O que seria isto? Gênero indica a preferência da pessoa pela identidade feminina ou masculina, mas para além do determinismo biológico, ou seja, sem redução dessas identidades aos aspectos meramente físicos. À luz dessa constatação, conclui-se que muitas das diferenças entre os sexos decorrem das construções sociais que norteiam a realidade. Tem-se dado uma preferência a expressão "gênero" ao invés de "sexo".

A violência praticada contra a mulher é uma das preocupações centrais da leitura feminista do direito (sim, ela existe rs). O direito foi masculino (e ainda é). Essa conclusão é sustentada pela própria análise de normas ainda vigentes, pela própria produção legislativa e nas decisões judiciais, consoante a apreciação de casos concretos. Para ilustrar: no âmbito penal, mais precisamente, em casos envolvendo crimes contra a vida, aceitava-se teses em favor do marido supostamente traído, baseadas na defesa da honra (no livro A Paixão no Banco dos Réus, escrito por Luiza Nagib, há uma coletânea de casos reais, todos calcados em crimes passionais). Além disso, cabe citar o fato de que somente em 1962, com o advento do Estatuto da Mulher Casada (l. 6.121), a mulher começou a ter um tratamento de colaboradora do lar, pois, até então, beirava a coisificação. Tínhamos o "defloramento" como causa de erro essencial sobre a pessoa, em lides envolvendo casamento (CC/16 art. 219, inc. IV). Bom citar que até mesmo após a CRFB/88, decisões continuavam a aplicar o entendimento pela anulação do casamento nos casos de defloramento da mulher... Absurdo!  

Estudos da Organização Mundial da Saúde, elaborados na década de 2000, indicavam que quase a metade dos homicídios femininos praticados no mundo foram de autoria de namorados, maridos, companheiros, ex ou atuais. 

Sabe-se que a violência contra a mulher é um aspecto central da cultura patriarcal. Insta salientar que a expressão "violência" não se reduz a um conceito de danos meramente físicos causados a outrem, mas, em maior sentido, alcança as violações psíquica, sexual, material, financeira, afetiva etc. Muitos países só começaram a desenvolver legislações especificas para tutelas de direitos humanos das mulheres após a ratificação de tratados. Com o Brasil não foi diferente.

De um passado de opressões - e que se estende ao nosso presente -, em uma tentativa de se tentar conferir proteção normativa no âmbito do direito internacional dos direitos humanos, exsurge a Convenção de Belém do Pará ou Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada em 09/07/1994 que faz parte do sistema da Organização dos Estados Americanos.

A própria lei 10.778/2003 (obrigatoriedade conferida aos serviços de saúde em comunicar casos de violência contra a mulher) trouxe definição idêntica àquela que se encontra na Convenção interamericana em comento. A lei 11.340/06 teve um caminho parecido, sendo resultado da própria incidência da dita convenção ao caso da Sr.ª Maria da Penha, após uma via crucis. 

As disposições de tal convenção sustentaram o pleito da Sr.ª Maria da Penha Maia Fernandes em conjunto com outras entidades de proteção aos direitos da mulher, junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Com o recebimento da petição, foram analisados os pressupostos basilares contidos na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, nos seguintes moldes:

-Competência da Comissão: a Convenção de Belém do Pará já estava em vigência no Estado Brasileiro quando do peticionamento, inobstante a agressão original ter ocorrido em 1983, mas já sob a vigência da Declaração Americana. O Estado foi tolerante com a impunidade, ausência de garantias de respeito ao devido processo. Além disso, atendido o disposto no art. 12 da C. de Belém do  Pará:

Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou qualquer entidade não-governamental juridicamente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, poderá apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições referentes a denúncias ou queixas de violação do artigo 7 desta Convenção por um Estado Parte, devendo a Comissão considerar tais petições de acordo com as normas e procedimentos estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para a apresentação e consideração de petições

-Esgotamento dos recursos da jurisdição interna: segundo o art. 46 CADH, é necessário o esgotamento das vias internas para que uma petição seja admissível perante a Comissão. Contudo, no caso de atraso injustificado, a disposição não se aplicará. O Brasil não respondeu às reiteradas comunicações que lhe foram enviadas. 

-Prazo para representação: o art. 46 da CADH expõe que a admissão de uma petição está sujeita ao requisito de que seja apresentada em 6 (seis) meses subsequentes à data em que a parte demandante tenha sido notificada da sentença final no âmbito interno. Nesse caso, não houve sentença, o que foi considerado pela Comissão.

-Ausência de duplicidade de procedimento: não constou que os fatos denunciados tenham sido denunciados perante outra instância. 

No mérito, foram analisados os seguintes elementos de convicção:

- Direito à justiça; garantias judiciais (art. 8 e 25 da CADH)

Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais

Igualdade perante a lei (art. 24 CADH): Nessa análise foram reconhecidas 3 medidas adotadas pelo Estado brasileiro (citada positivamente): 1) criação de delegacias policiais especiais para atendimento; 2) criação de casas de refúgio para mulheres agredidas; 3) decisão da Corte Suprema Brasileira em 1991 que invalidou o conceito arcaico de "defesa da honra" como usual de justificação de crimes contra as esposas.

Art. 7 da Convenção de Belém do Pará: que teve seu instrumento ratificado pelo Brasil em 27/11/1995. Tal diploma internacional sustentou as competências ratione materiae e ratione temporis para conhecer do caso em tela. A violação no caso da Sr.ª Maria da Penha foi continuada e transcendeu o próprio marco temporal da vigência da convenção. Somando-se a isso, constatou-se a inércia do Estado em efetivar as medidas cabíveis à espécie. 

Além disso, a Comissão se usou do conceito de violência perpetrado pela Convenção de Belém do Pará, em seu art. 2º:

Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica:

a) ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual; 

b) ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e

c) perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.


Conclusões:

Constatou-se que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como reconheceu-se os atos, posturas omissivas e tolerantes da violação infligida.

Recomendações (e aqui enumero algumas):

-Completar rápida e efetivamente o processamento penal do responsável da agressão e tentativa de homicídio em prejuízo da Senhora Maria da Penha Fernandes Maia.

- Prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil. A Comissão recomenda, particularmente, o seguinte:

a) Medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica; 

b) Simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias de devido processo; 

c) O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às conseqüências penais que gera; 

d) Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários à efetiva tramitação e investigação de todas as denúncias de violência doméstica, bem como prestar apoio ao Ministério Público na preparação de seus informes judiciais.



Bibliografia:


DIAS, Maria Berenice. A Mulher no Código Civil. Disponível em <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/18_-_a_mulher_no_c%F3digo_civil.pdf>. Acesso em 23 de julho de 2016. 

SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica: Introdução a uma leitura externa do direito - 6 ed. São Paulo: Ed, Revista dos Tribunais, 2013. 

Relatório Caso Maria da Penha vs Brasil. Disponível em <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/OEA_CIDH_relatorio54_2001_casoMariadaPenha.pdf> Acesso em 22 de julho de 2016. 


quarta-feira, 20 de julho de 2016

Questão D.Civil DPE/RJ 2015 - Propriedade, Função Social e Posse

Primeiramente, gostaria de desejar um feliz dia do(a) amigo(a). Meio atrasada, mas está aí. :)
Hoje decidi que só iria dormir "tranquila" se conseguisse comentar uma questão discursiva. Para tanto, deveria ser um tema agradável, até porque já estou batendo pino (01:45 de quinta-feira). Assim, acabei por escolher uma questão que trata de um assunto, particularmente, muito querido por mim e pela DP: POSSE.






Desapropriação Judicial

Bom, no que consiste esse instituto? é relativamente novo e é derivado da função social da posse. Constitui um exemplo claro de supremacia possessória sobre a propriedade. Isto é, a vitória da posse coletiva, que atende a sua função social, sobre a propriedade privada, mediante indenização, até para que não haja lesão ao texto constitucional.

Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente o possua ou detenha.
...

§4º.O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nelas houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§5º. No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
A posse coletiva ganha mais força do que a propriedade estática. Curioso é que o instituto em tela possui, até o momento, 7 denominações/correntes, conforme a doutrina (óbvio que não seria necessário citar todas as denominações):  

1ª Nova Espécie de usucapião coletiva (Carlos Alberto); É criticada! Não se trata de usucapião.
2ª Nova forma de aquisição pelo binômio posse-trabalho (Maria Helena Diniz);
3ª Desapropriação Judicial (Ricardo Lyra, Nelson Nery, Rosa Maria Nery,  CJF/STJ); 
4ª Desapropriação especial por interesse social (Banca da DPE/RJ);
5ª Expropriação judicial privada pelo binômio posse-trabalho (Tartuce) - evita o uso do vocábulo "desapropriação";
6ª Contra-direito processual (Márcio kammer);
7ª A mais nova tese defensiva obstativa do poder de sequela do reivindicante (Gustavo Tepedino).

Requisitos para o reconhecimento deste instituto, que iremos chamar de "expropriação privada":

*Capacidade de fato: os possuidores deverão ser detentores de capacidade de fato;
*Estado de composse (lei fala em considerável nº de pessoas); Fala-se em, pelo menos, 10 grupos familiares, em sede doutrinária (questionável, também); 
*A propriedade não atendia a sua função social, o que faz surgir uma propriedade coletiva, condominial; 
*Objeto hábil: extensa área, pode ser tanto pública como privada. 

Prof. Marco Aurélio Bezerra de Mello leciona que a proibição na CRFB/88 é em relação à Usucapião. Assim, não se fala em vedação à expropriação (que é o instituto aqui trabalhado na questão).

Tema delicado é a questão da indenização. Segundo o Prof. Marcílio (DPE/RJ), quem suportará é o ente público, a depender do caso (urbana ou rural). Caso seja rural, quem arcará é a União. Caso seja urbano, caberá ao Estado. Para uma melhor visão da questão da indenização ao proprietário, cabe citar o enunciado nº 308 do CJF:

Art.1.228. A justa indenização devida ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5°) somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil. 

Isto, frise-se, no contexto da atuação da Defensoria Pública! 

Para complementar, colaciona-se o enunciado 309:

309 – Art.1.228. O conceito de posse de boa-fé de que trata o art. 1.201 do Código Civil não se aplica ao instituto previsto no § 4º do art. 1.228. 

Bons estudos!

terça-feira, 19 de julho de 2016

Indígenas e Comunidades Tradicionais: Um Tema em Ascensão - Algumas considerações

Hoje venho falar um pouco sobre um tema que vem sendo cobrando nas DPEs: Povos Tradicionais Indígenas.


A CRFB/88 trouxe especial capitulação a respeito dos índios, mais precisamente em seu art. 231 e seguintes. Destaco, aqui, alguns dispositivos:

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e alavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas,imprescritíveis.
Além disso, convém mencionar que no art. 67 do ADCT há menção que a União deveria concluir a demarcação das terras indígenas em cinco anos contados da promulgação da CRFB/88. 

A CF adotou os seguintes princípios no trato da matéria indígena:

a) princípio do reconhecimento e proteção do Estado à organização social, costumes, línguas, crenças e tradições das comunidades indígenas;

b) princípio do reconhecimento dos direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam e proteção de sua posse permanente em usufruto exclusivo para os índios;

c) princípio da igualdade de direitos e da igual proteção legal, o que não permite a existência de institutos que tratam o indígena como ser desamparado ou inferior (vide a questão da tutela civil do indígena); 

d) princípio da proteção da identidade (ou direito à alteridade), que consiste no direito à diferença, não podendo ser aceito ato comissivo ou omissivo de assimilação; 

e) princípio da máxima proteção aos índios, nascendo o "in dubio pro" indígena e o reconhecimento que o patamar alcançado não elimina novas medidas a favor das comunidades indígenas. 

Duprat entende que a Constituição da República reconhece o Estado brasileiro como pluriétnico, e não mais pautado em pretendidas homogeneidades. (tenho que confessar que acho essa definição sensacional). 

Aspecto, igualmente, importante é saber diferenciar os conceitos de indigenato e fato indígena, até em razão do caso Reserva Indígena Raposa Serra do Sol (pet. 3.388 STF). O Indigenato pressupõe que a posse sobre as terras, por parte dos indígenas, é imemorial, não possuindo marco temporal. Este legitima a ampliação das terras indígenas para além do que era ocupado no dia 5 de outubro de 1988. 

Noutro giro, a teoria do fato indígena é mais restritiva. No bojo da manifestação do Min. Menezes Direito, no caso mencionado, concluiu-se que uma vez demonstrada a presença de índios em determinada área na data da promulgação da CRFB/1988 e estabelecida a extensão geográfica dessa presença, constatado está o fato indígena por detrás das demais expressões de ocupação tradicional de terra(...).

Pode-se dizer que a partir de então temos um ponto normativo para as demarcações. Contudo, continuamos a verificar pelo país diversos conflitos envolvendo terras demarcadas ou na iminência de passarem pelo processo de demarcação, além dos conflitos possessórios frutos de ocupações por parte de grupos/comunidades indígenas em terras públicas e privadas.


Nesse cenário, muitas vidas têm sido ceifadas em tais conflitos, o que demanda um preparo substancial das autoridades e demais operadores que lidam com essa complexa e triste realidade. Nisto, incluo os(as) Defensores(as). 


Há pouco tempo,  um caso ganhou atenção dos noticiários e retratou o drama vivenciado por muitos grupos tradicionais em busca por terra. Estamos a falar dos conflitos demarcatórios em Dourados/MS. Há um histórico sobre os acontecimentos daquela região, vide entrevista concedida por 
Deborah Duprat e veiculada no site do MPF. 
Estatuto do Índio (l. 6.001/73) estabelece o regime tutelar, que dividiu os índios em “superadas categorias”, nas palavras de ACR: isolados, em vias de integração e integrados, vide art. 4º do r. estatuto.

O art. 7º do Estatuto do Índio expõe que para os casos dos índios e comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional, estes ficam sujeitos ao regime tutelar estabelecido em lei.

Sob o ótica dos tratados e convenções, há de se mencionar que a matéria, em apreço, foi objeto da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. 

Acrescenta-se, ainda, a Convenção nº 169 da OIT que lança luzes e traz um regramento mais humano e substancialmente consonante com os direitos humanos, ao prever consultas aos povos indígenas nos assuntos do seu interesse, o que traduz uma lógica de empoderamento, além da escolha pelo critério da autodefinição da condição de membro de tais povos, definido como sendo a consciência de sua identidade indígena

Em vista dessa diferença de tratamento, critica-se a atual conjuntura normativa interna que diz respeito aos povos e comunidades indígenas no Brasil, pois, ainda, consagra um regime destoante dos valores fundamentais, de autodeterminação e exercício efetivo dos direitos humanos.

Para finalizar, colaciono alguns julgados e demais considerações compiladas a respeito do tema aqui trabalhado, sob a ótica do  STF e do direito em si: 

1-      O direito de autodeterminação dos povos indígenas não confere aos mesmos o direito à secessão;

2-      O caso Awas Tingni vs. Nicarágua foi o primeiro caso envolvendo comunidades tradicionais na Corte Interamericana de Direitos Humanos;

3-      O direito internacional dos direitos humanos funciona como lex generalis ao direito internacional humanitário e ao direito internacional dos refugiados;

4-      O ato de demarcação de terras indígenas possui caráter meramente declaratório. STF, PET 3388 (Raposa Serra do Sol);

5-      Questão MP/PA PROVA ORAL: “O que se entende por dupla afetação das terras indígenas”? A dupla afetação das terras indígenas ocorre quando as terras indígenas estão situadas em unidades de conservação. Nesse caso, as terras indígenas são utilizadas em prol da coletividade (meio ambiente) e em prol da própria comunidade indígena.

6-      Em determinadas situações, admite-se a dupla afetação das terras indígenas. STF, PET 3388 (Caso Raposa Serra do Sol);

7-      É inconstitucional a instalação de pedágio no interior da terra indígena (seja pela comunidade, seja pela sociedade envolvente). STF, PET 3388;

8-      O crime de difamação praticado em razão da disputa por posição de cacique em comunidade indígena é de competência federal. STJ  AgRg, CC 122.555;

9-      As escolas públicas devem continuar a prestar serviços nas terras indígenas, desde que sob liderança da União. STF, Plenário PET 3388, ED;

10-   A demarcação da terra indígena não impede a abertura de estradas. STF, PET 3388;

11-   Os índios não exercem qualquer poder de polícia sob as rodovias que cruzam as áreas demarcadas. STF, PET 3388 ED;

12-   A dignidade da pessoa humana possui uma dupla dimensão: prestacional e defensiva. STF, ADPF 45;

13-   O Estatuto do Índio prevê exceção ao monopólio do jus puniendi pelo Estado;

14-   Segundo o Estatuto do Índio, as penas de reclusão e detenção indígena devem ser cumpridas, sempre que possível, em regime de semiliberdade;

15-   A comunidade indígena, quando de sua atuação coletiva, tem prazo em dobro para recorrer. STJ, AgRg no AgRg no REsp 990.085. (falou-se em natureza de fazenda pública para justificar o prazo em dobro);



  • Algumas citações sobre as DPE e a atuação no âmbito da proteção aos direitos dos povos indígenas:

1 - DPE/RJ garante o direito de usar o nome indígena em certidões de nascimento:
 http://www.rj.gov.br/web/dpge/exibeconteudo?article-id=270591


2 - DPE/MT reunião com lideranças indígenas. Busca por documentos e resolução de conflitos demarcatórios: http://www.defensoriapublica.mt.gov.br/portal/index.php/noticias/item/9536-indios-procuram-defensoria-em-busca-de-direitos-basicos-e-solucao-para-conflito


3- DPE/BA Projeto Balcão de Direitos da Defensoria em parceria com a Secretaria de Especial de Direitos Humanos da Presidência da República: atendimento jurídico, fornecimento de CTPS: http://dp-ba.jusbrasil.com.br/noticias/2509090/defensoria-orienta-indios-do-municipio-de-santa-cruz-de-cabralia


  • Créditos:
Compilação por Breno Filardi @filardib;
A autoria dos “tweets” é do Thim Heemann (@thim3108). Postagem em 17/07/2016.
  • Consulta Bibliográfica:
DUPRAT. Debora Macedo Britto Pereira. O Estado Pluriétnico.<http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/artigos/docs/artigos/docs_artigos/estado_plurietnico.pdf> Acesso em 19 de julho de 2016; 

RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo. Saraiva, 2016.  

domingo, 17 de julho de 2016

Breves Estudos sobre Teoria da Pena e Execução Penal para as Defensorias

Nas aulas do Prof. Marcelo Machado (DPE/RJ e Titular da II Júri da Capital) é comum ele citar que a preparação de um Defensor Público deve ser norteada pela realidade social que esse agente político enfrenta nos corredores forenses. Contudo, a grande maioria das provas exige um conhecimento, muitas das vezes, distanciado de tal importante cenário, privilegiando questões destoantes do ofício "defensoral". Isto não é uma regra, mas é o que tenho visto por aí nas resoluções de provas anteriores (1ª fase objetiva). Talvez seja por isso que a grande maioria prefere provas discursivas e que exigem um conhecimento não meramente conceitual (vide a enquete que realizei no @BizuDefensorias). 

Nesse sentido, dois dos assuntos mais importantes, sob o ponto de vista da preparação para a carreira, são os atinentes à Teoria da  Pena e Execução Penal. A atuação do(a) Defensor(a) nessas searas é muito forte, principalmente nos mutirões carcerários e atendimento nos núcleos especializados (aqui no RJ temos o NUSPEN - Núcleo do Sistema Penitenciário). 

Dos atendimentos que fiz quando fui estagiária da DPE/RJ, posso dizer, com segurança , que dois assuntos dominavam as buscas dos assistidos pelo acesso à justiça: alimentos e... execução penal. 

Assim, hoje trouxe algumas anotações a respeito desses assuntos, sob um viés defensivo e crítico. Bons estudos! 



LEI Nº 7210/1984
LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984.
TÍTULO I
Do Objeto e da Aplicação da Lei de Execução Penal

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

1. Considerações iniciais de Teoria da Pena e Execução Penal

O art. 59 do CP, ao tratar das funções da pena, adota uma teoria eclética para a reprovação prevenção do crime (o juiz atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime etc.).  Aqui cabe lembrar que a teoria eclética unifica as teorias absoluta e eclética (retribuir e prevenir, respectivamente). 

“A pena é castigo mesmo, a pena é uma retribuição ao condenado por um mal causado à sociedade" (Kant). Reprovação aduz à retribuição (teoria absoluta).

A CRFB abarca a individualização da pena (que é um princípio), além das vedações às penas de trabalhos forçados, perpétuas, à pena de morte (salvo em caso de guerra declarada) e cruéis (quanto a esta última, pelo menos, teoricamente, pois a realidade que vivenciamos em nosso sistema prisional vai de encontro a esta vedação constitucional, ainda que não oficialmente).

A pena também é prevenção. Para se ilustrar: recentemente, no HC 126929/SP, o Min. Barroso concedeu uma entrevista e abordou que a pena tem que servir para uma prevenção geral, dando uma resposta à sociedade. Em tal ocasião, o Ministro estava expondo os motivos do seu posicionamento quanto à execução provisória da pena. O voto dele foi empenhado na mitigação da presunção de inocência.

Enfim, voltando para a teoria:

A prevenção geral é para a sociedade e é dividida em positiva e negativa
A positiva faz menção ao efeito positivo que repercute na sociedade, ao perpetuar determinados valores que devem ser respeitados. A positiva conscientiza.
Por outro lado, a negativa intimida, repele a prática (sabemos que isto também é teoricamente).

Na prevenção especial há, também, a divisão entre positiva negativa. A primeira pressupõe uma missão ressocializadora em relação ao privado de liberdade. Tal reinserção social se dá através dos institutos das saídas temporárias, remissão pelo trabalho e pelo estudo etc.

O papel da Defensoria Pública é mais que importante nessa missão ressocializadora, através do atendimento nos já mencionados mutirões carcerários e na promoção de medidas judiciais e extrajudiciais em sede de execução penal.  

Noutro giro, a prevenção especial negativa é traduzida pelas palavras segregação e neutralização do condenado. É afastado do estado de liberdade.
As PRDs (penas restritivas de liberdade) também exercem uma função neutralizadora, a exemplo da interdição (art. 43, V do CP)


 2. Condenado x Internado

A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições de para a integração social do condenado e do internado.

Internado é o inimputável, é aquele que apresenta periculosidade, um risco para a sociedade. Assim, precisa de um tratamento, estado este que vai ao encontro da própria ideia de segregação. Comete um fato típico e ilícito, mas não culpável!

Aqui vale lembrar: Medida de segurança não é pena, em cumprimento ao sistema vicariante (impossibilidade de cumular pena com MS). Logo, medida de segurança não tem função retributiva! O inimputável não é dotado de culpabilidade, pois é um alienado mental. Não há desejo voluntário na conduta.

Medida de segurança é espécie do gênero sanção penal, tendo um caráter unicamente preventivo.

Ex: lei de drogas: “é isento de pena quem...” – não há que se falar em culpabilidade, pois o mesmo é um alienado mental (vide art. 45 da l. 11.343/06).

Nas medidas segurança, somente há prevenção é especial, pois não há recado a ser dado à sociedade (conforme se vê na prevenção geral). Medida de segurança tem missão preventiva especial (grave isto). O tratamento é a intervenção realizada pelo Estado e, se possível, também a cura do internado. A prevenção especial positiva na MS é a cura.

Consigne-se que há MS também poderá ser detentiva, em que há a segregação (conforme a já mencionada prevenção especial). Assim, para o devido controle, é realizado um laudo, um exame, de 1 a 3 anos, para se avaliar se houve a cessação da periculosidade. 

3. Execução Provisória da Pena

Conforme a citação do posicionamento do Min. Barroso, é de bom grado lembrar que os tribunais superiores vinham afirmando que a execução da PPL (pena privativa de liberdade) antes do TJ e sem os requisitos da preventiva (art. 312 CPP), violava o princípio da presunção de inocência. (vide HC 84078, Rel. Min. Eros Grau). O STJ seguia o mesmo entendimento (HC 324.527/SP 5ª Turma em 11/09/2015 – BEM RECENTE).

O plenário do STF mitigou essa lógica, ao afirmar que com a condenação em 1ª instância e posterior confirmação em 2ª instância, ainda que tenham sido interpostos os recursos excepcionais (RE e RExt), o réu poderá, desde logo, inciar o cumprimento da pena.
(HC 126292/SP e informativo 814 do STF).

Dá até arrepio de ler isso aqui rs... 

Na prova objetiva, provavelmente, será a jurisprudência literal, mesmo que a gente tenha que marcar com dor no coração. Já na segunda fase, podemos brigar pela posição contrária, até porque tivemos 4 votos contrários ao novo entendimento do plenário, que frise-se, não possui força vinculante, ainda que muitos estejam seguindo isso

Por outro lado, tivemos, recentemente, um sopro democrático oriundo da mesma casa, cf. decisão do Min. Celso de Mello. Ao mesmo tempo é um pouco complicado comemorar quando se é dado cumprimento à CRFB/88, pois isto deveria ser regra e não exceção certo? 

4. Princípio da presunção de inocência versus Princípio da não culpabilidade

Marcelo Uzeda (DPU) diz que no sentido retórico faz diferença. Quando fala-se presunção de não culpa, abre-se uma “janela” para a presunção de culpa. No fundo tem um sentido distinto. Por outro lado, quando se fala em estado de inocência, eu parto da ideia de que a formação da culpa se conclui com o trânsito em julgado. É uma questão retórica.

Gabriel Habib (DPU) entende que há diferenças entre os dois princípios, mas não cita o sentido retórico como marco determinante. Habib entende que temos que trabalhar com não culpa. Qual seria a diferença? ao falar em ser inocente, não se pode admitir nenhuma restrição no que tange aos direitos do processado/condenado. O sistema jurídico brasileiro trabalha com presunção de não culpa. Um exemplo? Suspensão condicional do processo, que é veada para aqueles que estão sendo processados por outro fato. É uma restrição. O réu processado pode sofrer restrições, não se falando, assim, que ele é absolutamente inocente, pois se assim fosse, não se admitiria restrições durante a própria marcha processual. 

Por outro lado, Badaró e Aury entendem que não culpa e inocência são a mesma coisa (vale a pena conferir aqui). *É o mais defensivo. 

Imagine o caso: seu assistido foi condenado em primeiro grau a pena de 4 anos, regime aberto, crime sem violência ou grave ameaça à pessoa.  A pena foi substituída. Você recorre sob os seguintes fundamentos: discussão da dosimetria, redução da pena, discussão da inocência, provas etc. O tribunal mantém a condenação, nega provimento. 

Veja, a pena continua de 4 anos, o regime aberto vige e a pena foi substituída. Pelo novo entendimento do STF, o seu assistido vai ser recolhido para a execução provisoria. “Ah, mas vai substituir”, sim, vai, substituir, mas como posso executar uma pena alternativa sem o trânsito? E por qual motivo falo isso? A LEP (art. 147) é clara ao expor que “transitado em julgado a sentença condenatória, começará a execução da pena restritiva de direitos”.

Temos um conflito geral e sistêmico rs. 

É um tema polêmico e, com toda a certeza, merece mais estudos e reflexões.
Por isso, é um assunto poderá ser cobrado com certa profundidade pelas bancas, cabendo a nós, candidatos, estudarmos e dominarmos as teses defensivas cabíveis à espécie.