domingo, 17 de julho de 2016

Breves Estudos sobre Teoria da Pena e Execução Penal para as Defensorias

Nas aulas do Prof. Marcelo Machado (DPE/RJ e Titular da II Júri da Capital) é comum ele citar que a preparação de um Defensor Público deve ser norteada pela realidade social que esse agente político enfrenta nos corredores forenses. Contudo, a grande maioria das provas exige um conhecimento, muitas das vezes, distanciado de tal importante cenário, privilegiando questões destoantes do ofício "defensoral". Isto não é uma regra, mas é o que tenho visto por aí nas resoluções de provas anteriores (1ª fase objetiva). Talvez seja por isso que a grande maioria prefere provas discursivas e que exigem um conhecimento não meramente conceitual (vide a enquete que realizei no @BizuDefensorias). 

Nesse sentido, dois dos assuntos mais importantes, sob o ponto de vista da preparação para a carreira, são os atinentes à Teoria da  Pena e Execução Penal. A atuação do(a) Defensor(a) nessas searas é muito forte, principalmente nos mutirões carcerários e atendimento nos núcleos especializados (aqui no RJ temos o NUSPEN - Núcleo do Sistema Penitenciário). 

Dos atendimentos que fiz quando fui estagiária da DPE/RJ, posso dizer, com segurança , que dois assuntos dominavam as buscas dos assistidos pelo acesso à justiça: alimentos e... execução penal. 

Assim, hoje trouxe algumas anotações a respeito desses assuntos, sob um viés defensivo e crítico. Bons estudos! 



LEI Nº 7210/1984
LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984.
TÍTULO I
Do Objeto e da Aplicação da Lei de Execução Penal

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

1. Considerações iniciais de Teoria da Pena e Execução Penal

O art. 59 do CP, ao tratar das funções da pena, adota uma teoria eclética para a reprovação prevenção do crime (o juiz atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime etc.).  Aqui cabe lembrar que a teoria eclética unifica as teorias absoluta e eclética (retribuir e prevenir, respectivamente). 

“A pena é castigo mesmo, a pena é uma retribuição ao condenado por um mal causado à sociedade" (Kant). Reprovação aduz à retribuição (teoria absoluta).

A CRFB abarca a individualização da pena (que é um princípio), além das vedações às penas de trabalhos forçados, perpétuas, à pena de morte (salvo em caso de guerra declarada) e cruéis (quanto a esta última, pelo menos, teoricamente, pois a realidade que vivenciamos em nosso sistema prisional vai de encontro a esta vedação constitucional, ainda que não oficialmente).

A pena também é prevenção. Para se ilustrar: recentemente, no HC 126929/SP, o Min. Barroso concedeu uma entrevista e abordou que a pena tem que servir para uma prevenção geral, dando uma resposta à sociedade. Em tal ocasião, o Ministro estava expondo os motivos do seu posicionamento quanto à execução provisória da pena. O voto dele foi empenhado na mitigação da presunção de inocência.

Enfim, voltando para a teoria:

A prevenção geral é para a sociedade e é dividida em positiva e negativa
A positiva faz menção ao efeito positivo que repercute na sociedade, ao perpetuar determinados valores que devem ser respeitados. A positiva conscientiza.
Por outro lado, a negativa intimida, repele a prática (sabemos que isto também é teoricamente).

Na prevenção especial há, também, a divisão entre positiva negativa. A primeira pressupõe uma missão ressocializadora em relação ao privado de liberdade. Tal reinserção social se dá através dos institutos das saídas temporárias, remissão pelo trabalho e pelo estudo etc.

O papel da Defensoria Pública é mais que importante nessa missão ressocializadora, através do atendimento nos já mencionados mutirões carcerários e na promoção de medidas judiciais e extrajudiciais em sede de execução penal.  

Noutro giro, a prevenção especial negativa é traduzida pelas palavras segregação e neutralização do condenado. É afastado do estado de liberdade.
As PRDs (penas restritivas de liberdade) também exercem uma função neutralizadora, a exemplo da interdição (art. 43, V do CP)


 2. Condenado x Internado

A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições de para a integração social do condenado e do internado.

Internado é o inimputável, é aquele que apresenta periculosidade, um risco para a sociedade. Assim, precisa de um tratamento, estado este que vai ao encontro da própria ideia de segregação. Comete um fato típico e ilícito, mas não culpável!

Aqui vale lembrar: Medida de segurança não é pena, em cumprimento ao sistema vicariante (impossibilidade de cumular pena com MS). Logo, medida de segurança não tem função retributiva! O inimputável não é dotado de culpabilidade, pois é um alienado mental. Não há desejo voluntário na conduta.

Medida de segurança é espécie do gênero sanção penal, tendo um caráter unicamente preventivo.

Ex: lei de drogas: “é isento de pena quem...” – não há que se falar em culpabilidade, pois o mesmo é um alienado mental (vide art. 45 da l. 11.343/06).

Nas medidas segurança, somente há prevenção é especial, pois não há recado a ser dado à sociedade (conforme se vê na prevenção geral). Medida de segurança tem missão preventiva especial (grave isto). O tratamento é a intervenção realizada pelo Estado e, se possível, também a cura do internado. A prevenção especial positiva na MS é a cura.

Consigne-se que há MS também poderá ser detentiva, em que há a segregação (conforme a já mencionada prevenção especial). Assim, para o devido controle, é realizado um laudo, um exame, de 1 a 3 anos, para se avaliar se houve a cessação da periculosidade. 

3. Execução Provisória da Pena

Conforme a citação do posicionamento do Min. Barroso, é de bom grado lembrar que os tribunais superiores vinham afirmando que a execução da PPL (pena privativa de liberdade) antes do TJ e sem os requisitos da preventiva (art. 312 CPP), violava o princípio da presunção de inocência. (vide HC 84078, Rel. Min. Eros Grau). O STJ seguia o mesmo entendimento (HC 324.527/SP 5ª Turma em 11/09/2015 – BEM RECENTE).

O plenário do STF mitigou essa lógica, ao afirmar que com a condenação em 1ª instância e posterior confirmação em 2ª instância, ainda que tenham sido interpostos os recursos excepcionais (RE e RExt), o réu poderá, desde logo, inciar o cumprimento da pena.
(HC 126292/SP e informativo 814 do STF).

Dá até arrepio de ler isso aqui rs... 

Na prova objetiva, provavelmente, será a jurisprudência literal, mesmo que a gente tenha que marcar com dor no coração. Já na segunda fase, podemos brigar pela posição contrária, até porque tivemos 4 votos contrários ao novo entendimento do plenário, que frise-se, não possui força vinculante, ainda que muitos estejam seguindo isso

Por outro lado, tivemos, recentemente, um sopro democrático oriundo da mesma casa, cf. decisão do Min. Celso de Mello. Ao mesmo tempo é um pouco complicado comemorar quando se é dado cumprimento à CRFB/88, pois isto deveria ser regra e não exceção certo? 

4. Princípio da presunção de inocência versus Princípio da não culpabilidade

Marcelo Uzeda (DPU) diz que no sentido retórico faz diferença. Quando fala-se presunção de não culpa, abre-se uma “janela” para a presunção de culpa. No fundo tem um sentido distinto. Por outro lado, quando se fala em estado de inocência, eu parto da ideia de que a formação da culpa se conclui com o trânsito em julgado. É uma questão retórica.

Gabriel Habib (DPU) entende que há diferenças entre os dois princípios, mas não cita o sentido retórico como marco determinante. Habib entende que temos que trabalhar com não culpa. Qual seria a diferença? ao falar em ser inocente, não se pode admitir nenhuma restrição no que tange aos direitos do processado/condenado. O sistema jurídico brasileiro trabalha com presunção de não culpa. Um exemplo? Suspensão condicional do processo, que é veada para aqueles que estão sendo processados por outro fato. É uma restrição. O réu processado pode sofrer restrições, não se falando, assim, que ele é absolutamente inocente, pois se assim fosse, não se admitiria restrições durante a própria marcha processual. 

Por outro lado, Badaró e Aury entendem que não culpa e inocência são a mesma coisa (vale a pena conferir aqui). *É o mais defensivo. 

Imagine o caso: seu assistido foi condenado em primeiro grau a pena de 4 anos, regime aberto, crime sem violência ou grave ameaça à pessoa.  A pena foi substituída. Você recorre sob os seguintes fundamentos: discussão da dosimetria, redução da pena, discussão da inocência, provas etc. O tribunal mantém a condenação, nega provimento. 

Veja, a pena continua de 4 anos, o regime aberto vige e a pena foi substituída. Pelo novo entendimento do STF, o seu assistido vai ser recolhido para a execução provisoria. “Ah, mas vai substituir”, sim, vai, substituir, mas como posso executar uma pena alternativa sem o trânsito? E por qual motivo falo isso? A LEP (art. 147) é clara ao expor que “transitado em julgado a sentença condenatória, começará a execução da pena restritiva de direitos”.

Temos um conflito geral e sistêmico rs. 

É um tema polêmico e, com toda a certeza, merece mais estudos e reflexões.
Por isso, é um assunto poderá ser cobrado com certa profundidade pelas bancas, cabendo a nós, candidatos, estudarmos e dominarmos as teses defensivas cabíveis à espécie.




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