segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Resumo do livro: "Contribuições da psicologia no acesso à justiça", de Paula Rosana Cavalcante (2016) - editora: Lumen Juris

Dando corda à ideia de abrir o presente espaço para posts colaborativos, nosso amigo Marco Torrano (@mavt88) nos brinda com um resumo da obra Contribuições da Psicologia no Acesso à Justiça. Obra essa que foi motivo de alguns debates no Twitter rs. 
Bons estudos!

Paula Rosana Cavalcante (autora)

Paula Rosana Cavalcante (autora)
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA NO ACESSO À JUSTIÇA

Psicólogo (indispensável na Justiça). Analisa os indivíduos de acordo com as leis que tratam de aspectos emocionais e subjetivos, questões estas que ficam muitas vezes em segundo plano de discussão na relação jurídico-processual. 

Diferença (multidisciplinar e interdisciplinar). Multidisciplinar: as matérias se somam para dar conta de um objeto. Interdisciplinar (adotada): seria o movimento de criação de uma zona de intersecção entre as disciplinas. Para os defensores (alguns): a psicologia e o serviço são vistos como algo ligado a ações preventivas, podendo trazer mais efetividade às práticas institucionais. Contudo, vemos uma constante mudança no trabalho das carreiras de apoio, principalmente com as "novas propostas interdisciplinares", formuladas na Comissão de Estudos Interdisciplinares (órgão da DPESP), que são levadas posteriormente ao Conselho Superior da Defensoria Pública (orgão da DPESP). Novas propostas interdisciplinares. Comissão de Estudos Interdisciplinares. A Comissão de Estudos Interdisciplinares é composta por defensores e agentes da defensoria e tem por atribuição analisar casos paradigmáticos, sugerir rotinas ao Conselho Superior da Defensoria Pública, apontar diretrizes de atuação e apreciar proposta formuladas pela Assessoria Técnica Psicossocial (Deliberação CSDP 187/2010, art. 7.º).  

CAM (Centro Atendimento Multidisciplinar). Ligado a ideias de outras políticas públicas (ex.: SUS - Sistema Único de Saúde; SUAS - Sistema Único da Assistência Social).

Crítica ao termo "assistido/a", "necessitado/a", "população carente". São termos que trazem a ideia de que a pessoa tem algo a receber (= necessitado), o que faz passar a impressão de "passividade". Melhor chamar: "usuário/a" (do serviço público); pessoa/indivíduo em situação de vulnerabilidade social; cidadão/ãs, dentre outros. A própria autora afirma: "Tais nomenclaturas não são imunes a críticas, mas nos parecem menos problemáticas" [2016:54]. Nem mesmo "Doutor/a": remete à ideia de quem tem o saber e o poder, reforçando relações de desigualdade, submissão e humilhação social - o que é contraditório com o ideal de justiça e cidadania que a defensoria se propõe e que a própria lei prega.

O papel da Psicologia no sistema de garantia de direitos. Na década de 80, houve uma mudança na atuação profissional (psicologia) e adotou-se o lema do "compromisso social". Ou seja, a prática da atividade psicológica deve estar comprometida com a sociedade brasileira, ligada ao contexto social. Permite levar a Psicologia ao campo das políticas públicas com o objetivo na "transformação social". 

Da perícia à garantia de direitos. O aumento da contratação de psicólogos deu-se em razão da criação de varas especializadas (principalmente: Vara da Infância e Juventude e Vara de Família). Mas a autora critica a forma como esse trabalho é feito. Pois tem medo de que o trabalho do/a psicólogo/a seja reduzido apenas a responder dúvidas e angústias do profissional do Direito (juiz/a, promotor/a e defensor/a). Eis que caberia garantir a possibilidade de apoio, fortalecimento e escuta de suas necessidades e potencialidades (digo, do/a psicólogo/a).  

Caminhos possíveis dos psicólogos/as na Defensoria. Vivemos em uma sociedade em que a pessoa pobre é frequentemente impedida de falar ou agir. A psicologia é a perspectiva profissional que pode contribuir no processo de tradução e diálogo com esse sujeito.Atividades desenvolvidas: i. atendimento, ii. mapeamento, iii. articulação com a rede de serviços, iv. composição extrajudicial de conflitos (como a mediação e a conciliação), v. educação em direitos e formação, vi. produção técnica.  

Durante a entrevista com outros psicólogos/as, a autora apontou vantagens e desvantagens (ligadas também ao CAM):
 A) tendência de toda instituição: estabilização e enrijecimento dos processos; 
B) sobrecarga de trabalho e ausência de equipe ou quadro reduzido; 
C) desgaste emocional;  
D) relação com o contexto judicial: a morosidade judicial dificulta a efetividade do trabalho; 
E) demandas encaminhadas e falta de clareza sobre as possibilidades de atuação do CAM. Pontos negativos: alguns defensores desconhecem o trabalho das carreiras de apoio e as possibilidades de serem trabalhadas pelo CAM, assim como utilizam palavras de autoridade ("eu mando, você obedece"). Em razão da mudança na hierarquia funcional da instituição (direção/coordenação entre defensores), acontece de alterarem o programa do CAM - por exemplo, em um caso concreto, mudou-se tudo de repente (trabalho que vinha sendo construído no CAM há quatro anos). Além disso, situações, por exemplo: pessoas chorando, pessoas com transtorno mental — são casos que normalmente os defensores erroneamente entendem ser “obrigação” do/a psicólogo/a (ou também, se houver: da assistente social) atender.  Pontos positivos: o CAM facilita o atendimento em conjunto, a fim de solucionar casos de difícil identificação do problema, pois se tem a ajuda de vários profissional de várias áreas (defensores, psicólogos, assistentes sociais, a depender do órgão da Defensoria); 
F) contradições deste campo de atuação. Uma psicóloga identificou como contradição o fato da sociedade injetar um alto investimento financeiro em instituições jurídicas.

Arquitetura. No TJ, os juízes ficam separados dos psicólogos. Em algumas Defensorias a ideia está sendo seguida do mesmo modo. Isso é perigoso para o trabalho interdisciplinar e o avanço da instituição. Alguns defensores querem distância do psicólogo, enquanto outro defensores querem aproximação (aprender, entender, dividir experiências de trabalho). E essa distância leva ao abismo entre as carreiras (de um lado, os defensores; de outro, os/as psicólogos/as e assistentes sociais).

Papel do CAM (Centro de Atendimento Multidisciplinar - DPESP). Tem atuação mais voltada aos casos pré-processuais ou extrajudiciaisPossibilita olhares mais ampliados sobre as demandas que chegam; privilegia a autonomia das pessoas (voluntariedade); esclarece orientações jurídicas fornecidas pelos/as defensores/as.

 -Aspectos favoráveis: trabalho em equipe interdisciplinar; espaço de reunião de equipe ou de capacitação; abertura institucional para espaço de construção, criatividade proatividade por parte de suas/seus técnicas/os; revela a missão e os objetivos dos profissionais; possibilidade de trabalhar com várias frentes de atuação. 
-Aspectos negativos:tempo; limitações institucionais; quantidade de atendimento e número de servidores; dificuldade de aproximação ou atuação interdisciplinar com operadores do Direito; alguns defensores “não quer[em] saber do que a gente faz, do que a gente deixa de fazer (...) a gente prioriza aqueles que, de alguma maneira, se mobilizam pelo nosso trabalho” (fala de um psicólogo, do livro); estabilização e enrijecimento dos processos; sobrecarga de trabalho e ausência de equipe ou quadro reduzido; desgaste emocional; a relação com o contexto judicial; demandas encaminhadas e falta de clareza sobre as possibilidades de atuação do CAM; direito à defesa e entraves éticos (exemplo: qual o limite ético do psicólogo ao entrevistar um preso, se este confessar o crime?); contradições deste campo de atuação.

Necessidades: analisar maneiras de potencializar o trabalho; ampliar espaços de discussão de casos, reflexão e capacitação; consolidação das frentes de trabalho dos CAMs e propagação institucional destas práticas; estímulo institucional a práticas interdisciplinares; transformação das relações de poder em relações horizontais que potencializem as ações da DPESP (ou seja: as carreiras de apoio em pé de igualdade com os defensores); maior valorização dos/as psicólogos/as das Defensorias; organização políticas das carreiras de apoio (recém-criada Associação dos Servidores da DPESP — ASDPESP — ou mesmo com o trabalho da Assessoria Técnica Psicossocial).

Possibilidades de intervenção: ampliação das possibilidades de atendimento e acompanhamento das pessoas com transtorno mental; desenvolvimento de atuação em outros contextos (ex.: políticas públicas em ações coletivas), ainda pouco explorados (medida de segurança, internação em Hospital de Custódia na área de execução criminal, ações coletivas na melhoria de políticas públicas); possibilitar algum tipo de mudanças nas práticas jurídicas e judiciais, possibilitando que as carreiras jurídicas ajudem ainda mais a efetivar direitos; colaborações da Psicologia no tocante às relações institucionais (promover espaços de trabalho mais democráticos e participativos, sem imposições com base em relações de poder entre defensores, psicólogos e assistentes sociais).

Implicações sociais e pessoais durante o atendimento na Defensoria: comprometimento e responsabilidade (prestar atenção e oferecer ajuda: “não é aqui, mas será que eu posso te ajudar em alguma coisa?”); crescimento profissional.

Comparações da DPESP com outras instituições jurídicas. Em que pese este pronunciamento não ser unânime entre os/as psicólogos/as, alguns apontam melhorias em vez da Tribunal de Justiça. Na DPESP (instituição nova), promovem-se espaços de trabalho realmente interdisciplinares, com diálogo entre profissionais de várias áreas. Há proximidade entre os profissionais da Psicologia e do Serviços Social junto com os profissionais do Direito. Por outro lado, no TJSP (instituição velha e de estrutura cristalizada), chega-se até a separar a Psicologia do Serviço Social, sobretudo deste com o juiz. É preciso que a defensoria não siga essa premissa estrutural. 

Coordenação/direção ("só defensores"). Critica-se o fato de a direção/coordenação das Defensorias serem ligadas só aos defensores/as, pois isso quebra com a "interdisciplinariedade" da própria instituição. O que é hierarquia funcional? O que é trabalho em equipe? 

Formação em Psicologia. Por mais que exista mudanças nos campos acadêmicos, ainda assim vemos a formação vinculada à psicoterapia individual e de consultório (“psicólogo puro”). Essa visão muda na Defensoria. O psicólogo passa a ligar-se ao “compromisso social”, atentando-se à dinâmica social (e não só ao individual).

Sentimento de grupo entre profissionais dos CAMs. Durante as entrevistas, a autora percebeu termos "a gente", dando um sentimento de grupo entre os profissionais do CAM. Entretanto, alguns profissionais da carreira de apoio salientaram que esse termo "a gente" é ligado aos colegas (psicólogos e assistentes sociais).

Terceira onda renovatória ("outros atores" = carreiras de apoio"). Cappelleti e Garth. A autora defende que as carreiras de apoio estão também inseridas na "ondas renovatórias" de Cappelleti e Garth, quando convidam "outros atores" para o sistema jurídico, para a construção e participação em "procedimentos". Além disso, a autora compreende na "ideia de se ampliar o sistema de justiça" como algo ligado a um "convite" e inserção, para todos/as (profissionais ou não), numa perspectiva emancipatória e educativa. "Não acho que a resolução dos conflitos passe só pelo Direito, muito pelo contrário" [Haddad apud Cavalcante 2016:243]. 

Crítica. "Depoimento sem dano". TJ-RS revogou a Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Resolução CFP n.º 10/2010. O "depoimento sem dano" advém da oitiva de crianças ou adolescentes, geralmente em processos de abuso sexual, nos quais o profissional da Psicologia reproduz as perguntas feitas pelos profissionais do Direito. Ocorre que o Conselho Federal de Psicologia lançou a Resolução 10/2010, orientando que os profissionais da Psicologia não participassem de tais "depoimentos sem dano". O TJ-RS revogou a referida resolução do CFP, porque tal conselho não teria papel de normatizar estas práticas. Assim, a Psicologia aparece como mero reprodutor das "órdens" e determinações impostas por profissionais de Direito. Quebra-se, assim, a ideia de "práticas criativas", proposta por Cappelletti e Garth, impedindo de outros profissionais, além dos profissionais de Direito, ajudarem no processo de efetivação ao acesso à justiça. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário