terça-feira, 19 de julho de 2016

Indígenas e Comunidades Tradicionais: Um Tema em Ascensão - Algumas considerações

Hoje venho falar um pouco sobre um tema que vem sendo cobrando nas DPEs: Povos Tradicionais Indígenas.


A CRFB/88 trouxe especial capitulação a respeito dos índios, mais precisamente em seu art. 231 e seguintes. Destaco, aqui, alguns dispositivos:

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e alavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas,imprescritíveis.
Além disso, convém mencionar que no art. 67 do ADCT há menção que a União deveria concluir a demarcação das terras indígenas em cinco anos contados da promulgação da CRFB/88. 

A CF adotou os seguintes princípios no trato da matéria indígena:

a) princípio do reconhecimento e proteção do Estado à organização social, costumes, línguas, crenças e tradições das comunidades indígenas;

b) princípio do reconhecimento dos direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam e proteção de sua posse permanente em usufruto exclusivo para os índios;

c) princípio da igualdade de direitos e da igual proteção legal, o que não permite a existência de institutos que tratam o indígena como ser desamparado ou inferior (vide a questão da tutela civil do indígena); 

d) princípio da proteção da identidade (ou direito à alteridade), que consiste no direito à diferença, não podendo ser aceito ato comissivo ou omissivo de assimilação; 

e) princípio da máxima proteção aos índios, nascendo o "in dubio pro" indígena e o reconhecimento que o patamar alcançado não elimina novas medidas a favor das comunidades indígenas. 

Duprat entende que a Constituição da República reconhece o Estado brasileiro como pluriétnico, e não mais pautado em pretendidas homogeneidades. (tenho que confessar que acho essa definição sensacional). 

Aspecto, igualmente, importante é saber diferenciar os conceitos de indigenato e fato indígena, até em razão do caso Reserva Indígena Raposa Serra do Sol (pet. 3.388 STF). O Indigenato pressupõe que a posse sobre as terras, por parte dos indígenas, é imemorial, não possuindo marco temporal. Este legitima a ampliação das terras indígenas para além do que era ocupado no dia 5 de outubro de 1988. 

Noutro giro, a teoria do fato indígena é mais restritiva. No bojo da manifestação do Min. Menezes Direito, no caso mencionado, concluiu-se que uma vez demonstrada a presença de índios em determinada área na data da promulgação da CRFB/1988 e estabelecida a extensão geográfica dessa presença, constatado está o fato indígena por detrás das demais expressões de ocupação tradicional de terra(...).

Pode-se dizer que a partir de então temos um ponto normativo para as demarcações. Contudo, continuamos a verificar pelo país diversos conflitos envolvendo terras demarcadas ou na iminência de passarem pelo processo de demarcação, além dos conflitos possessórios frutos de ocupações por parte de grupos/comunidades indígenas em terras públicas e privadas.


Nesse cenário, muitas vidas têm sido ceifadas em tais conflitos, o que demanda um preparo substancial das autoridades e demais operadores que lidam com essa complexa e triste realidade. Nisto, incluo os(as) Defensores(as). 


Há pouco tempo,  um caso ganhou atenção dos noticiários e retratou o drama vivenciado por muitos grupos tradicionais em busca por terra. Estamos a falar dos conflitos demarcatórios em Dourados/MS. Há um histórico sobre os acontecimentos daquela região, vide entrevista concedida por 
Deborah Duprat e veiculada no site do MPF. 
Estatuto do Índio (l. 6.001/73) estabelece o regime tutelar, que dividiu os índios em “superadas categorias”, nas palavras de ACR: isolados, em vias de integração e integrados, vide art. 4º do r. estatuto.

O art. 7º do Estatuto do Índio expõe que para os casos dos índios e comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional, estes ficam sujeitos ao regime tutelar estabelecido em lei.

Sob o ótica dos tratados e convenções, há de se mencionar que a matéria, em apreço, foi objeto da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. 

Acrescenta-se, ainda, a Convenção nº 169 da OIT que lança luzes e traz um regramento mais humano e substancialmente consonante com os direitos humanos, ao prever consultas aos povos indígenas nos assuntos do seu interesse, o que traduz uma lógica de empoderamento, além da escolha pelo critério da autodefinição da condição de membro de tais povos, definido como sendo a consciência de sua identidade indígena

Em vista dessa diferença de tratamento, critica-se a atual conjuntura normativa interna que diz respeito aos povos e comunidades indígenas no Brasil, pois, ainda, consagra um regime destoante dos valores fundamentais, de autodeterminação e exercício efetivo dos direitos humanos.

Para finalizar, colaciono alguns julgados e demais considerações compiladas a respeito do tema aqui trabalhado, sob a ótica do  STF e do direito em si: 

1-      O direito de autodeterminação dos povos indígenas não confere aos mesmos o direito à secessão;

2-      O caso Awas Tingni vs. Nicarágua foi o primeiro caso envolvendo comunidades tradicionais na Corte Interamericana de Direitos Humanos;

3-      O direito internacional dos direitos humanos funciona como lex generalis ao direito internacional humanitário e ao direito internacional dos refugiados;

4-      O ato de demarcação de terras indígenas possui caráter meramente declaratório. STF, PET 3388 (Raposa Serra do Sol);

5-      Questão MP/PA PROVA ORAL: “O que se entende por dupla afetação das terras indígenas”? A dupla afetação das terras indígenas ocorre quando as terras indígenas estão situadas em unidades de conservação. Nesse caso, as terras indígenas são utilizadas em prol da coletividade (meio ambiente) e em prol da própria comunidade indígena.

6-      Em determinadas situações, admite-se a dupla afetação das terras indígenas. STF, PET 3388 (Caso Raposa Serra do Sol);

7-      É inconstitucional a instalação de pedágio no interior da terra indígena (seja pela comunidade, seja pela sociedade envolvente). STF, PET 3388;

8-      O crime de difamação praticado em razão da disputa por posição de cacique em comunidade indígena é de competência federal. STJ  AgRg, CC 122.555;

9-      As escolas públicas devem continuar a prestar serviços nas terras indígenas, desde que sob liderança da União. STF, Plenário PET 3388, ED;

10-   A demarcação da terra indígena não impede a abertura de estradas. STF, PET 3388;

11-   Os índios não exercem qualquer poder de polícia sob as rodovias que cruzam as áreas demarcadas. STF, PET 3388 ED;

12-   A dignidade da pessoa humana possui uma dupla dimensão: prestacional e defensiva. STF, ADPF 45;

13-   O Estatuto do Índio prevê exceção ao monopólio do jus puniendi pelo Estado;

14-   Segundo o Estatuto do Índio, as penas de reclusão e detenção indígena devem ser cumpridas, sempre que possível, em regime de semiliberdade;

15-   A comunidade indígena, quando de sua atuação coletiva, tem prazo em dobro para recorrer. STJ, AgRg no AgRg no REsp 990.085. (falou-se em natureza de fazenda pública para justificar o prazo em dobro);



  • Algumas citações sobre as DPE e a atuação no âmbito da proteção aos direitos dos povos indígenas:

1 - DPE/RJ garante o direito de usar o nome indígena em certidões de nascimento:
 http://www.rj.gov.br/web/dpge/exibeconteudo?article-id=270591


2 - DPE/MT reunião com lideranças indígenas. Busca por documentos e resolução de conflitos demarcatórios: http://www.defensoriapublica.mt.gov.br/portal/index.php/noticias/item/9536-indios-procuram-defensoria-em-busca-de-direitos-basicos-e-solucao-para-conflito


3- DPE/BA Projeto Balcão de Direitos da Defensoria em parceria com a Secretaria de Especial de Direitos Humanos da Presidência da República: atendimento jurídico, fornecimento de CTPS: http://dp-ba.jusbrasil.com.br/noticias/2509090/defensoria-orienta-indios-do-municipio-de-santa-cruz-de-cabralia


  • Créditos:
Compilação por Breno Filardi @filardib;
A autoria dos “tweets” é do Thim Heemann (@thim3108). Postagem em 17/07/2016.
  • Consulta Bibliográfica:
DUPRAT. Debora Macedo Britto Pereira. O Estado Pluriétnico.<http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/artigos/docs/artigos/docs_artigos/estado_plurietnico.pdf> Acesso em 19 de julho de 2016; 

RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo. Saraiva, 2016.  

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