Hoje venho
falar um pouco sobre um tema que vem sendo cobrando nas DPEs: Povos Tradicionais
Indígenas.
A CRFB/88
trouxe especial capitulação a respeito dos índios, mais precisamente em seu
art. 231 e seguintes. Destaco, aqui, alguns dispositivos:
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas
pelos índios destinam-se a sua posse permanente,
cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes.
§ 3º O aproveitamento dos
recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e
alavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem
ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as
comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da
lavra, na forma da lei.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis
e indisponíveis, e os direitos sobre elas,imprescritíveis.
Além disso, convém
mencionar que no art. 67 do ADCT há menção que a União deveria concluir a demarcação
das terras indígenas em cinco anos contados da promulgação da CRFB/88.
A CF adotou os
seguintes princípios no trato da matéria indígena:
a) princípio do reconhecimento e proteção do
Estado à organização social, costumes, línguas, crenças e tradições das
comunidades indígenas;
b) princípio do reconhecimento dos direitos
originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam e
proteção de sua posse permanente em usufruto exclusivo para os índios;
c) princípio da igualdade de direitos e da
igual proteção legal, o que não permite a existência de institutos que
tratam o indígena como ser desamparado ou inferior (vide a questão da tutela
civil do indígena);
d) princípio da proteção da identidade (ou
direito à alteridade), que consiste no direito à diferença, não podendo ser
aceito ato comissivo ou omissivo de assimilação;
e) princípio da máxima proteção aos índios,
nascendo o "in dubio pro" indígena e o reconhecimento que
o patamar alcançado não elimina novas medidas a favor das comunidades
indígenas.
Duprat entende
que a Constituição da República reconhece o Estado brasileiro como pluriétnico, e não mais pautado em
pretendidas homogeneidades. (tenho que confessar
que acho essa definição sensacional).
Aspecto, igualmente,
importante é saber diferenciar os conceitos de indigenato e fato
indígena, até em razão do caso Reserva Indígena Raposa
Serra do Sol (pet. 3.388 STF). O Indigenato
pressupõe que a posse sobre as terras, por parte dos indígenas, é imemorial,
não possuindo marco temporal. Este
legitima a ampliação das terras indígenas para além do que era ocupado no dia 5
de outubro de 1988.
Noutro giro, a teoria do fato indígena é mais restritiva.
No bojo da manifestação do Min. Menezes Direito, no caso mencionado, concluiu-se
que uma vez demonstrada a presença de índios em determinada área na data da
promulgação da CRFB/1988 e estabelecida a extensão geográfica dessa presença,
constatado está o fato indígena por detrás das demais expressões de ocupação
tradicional de terra(...).
Pode-se dizer que a partir de então temos um ponto normativo para as demarcações. Contudo, continuamos a verificar pelo país diversos conflitos envolvendo terras demarcadas ou na iminência de passarem pelo processo de demarcação, além dos conflitos possessórios frutos de ocupações por parte de grupos/comunidades indígenas em terras públicas e privadas.
Nesse cenário, muitas vidas têm sido ceifadas em tais conflitos, o que demanda um preparo substancial das autoridades e demais operadores que lidam com essa complexa e triste realidade. Nisto, incluo os(as) Defensores(as).
Há pouco tempo, um caso ganhou atenção dos noticiários e retratou o drama vivenciado por muitos grupos tradicionais em busca por terra. Estamos a falar dos conflitos demarcatórios em Dourados/MS. Há um histórico sobre os acontecimentos daquela região, vide entrevista concedida por Deborah Duprat e veiculada no site do MPF.
Estatuto do Índio
(l. 6.001/73) estabelece o regime tutelar, que dividiu os índios em “superadas
categorias”, nas palavras de ACR: isolados, em vias de integração e integrados,
vide art. 4º do r. estatuto.
O art. 7º do Estatuto do Índio expõe
que para os casos dos índios e
comunidades indígenas ainda não integrados
à comunhão nacional, estes ficam sujeitos
ao regime tutelar estabelecido em lei.
Sob o ótica dos
tratados e convenções, há de se mencionar que a matéria, em apreço, foi objeto
da Declaração
das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Acrescenta-se,
ainda, a Convenção nº 169 da OIT que lança luzes e traz um regramento mais
humano e substancialmente consonante com os direitos humanos, ao prever
consultas aos povos indígenas nos assuntos do seu interesse, o que traduz
uma lógica de empoderamento, além da escolha pelo critério
da autodefinição da condição de membro
de tais povos, definido como sendo a consciência de sua identidade
indígena.
Em vista dessa
diferença de tratamento, critica-se a atual conjuntura normativa interna que diz
respeito aos povos e comunidades indígenas no Brasil, pois, ainda, consagra um
regime destoante dos valores fundamentais, de autodeterminação e exercício efetivo
dos direitos humanos.
Para finalizar,
colaciono alguns julgados e demais considerações compiladas a respeito do tema
aqui trabalhado, sob a ótica do STF e do direito em si:
1-
O direito de autodeterminação dos povos
indígenas não confere aos mesmos o direito à secessão;
2-
O caso Awas Tingni vs. Nicarágua foi o primeiro
caso envolvendo comunidades tradicionais na Corte Interamericana de Direitos
Humanos;
3-
O direito internacional dos direitos humanos
funciona como lex generalis ao direito internacional humanitário e ao direito internacional dos refugiados;
4-
O ato de demarcação de terras indígenas possui
caráter meramente declaratório. STF, PET 3388 (Raposa Serra do Sol);
5-
Questão MP/PA PROVA ORAL: “O que se entende por
dupla afetação das terras indígenas”? A
dupla afetação das terras indígenas ocorre quando as terras indígenas estão
situadas em unidades de conservação. Nesse caso, as terras indígenas são utilizadas
em prol da coletividade (meio ambiente) e em prol da própria comunidade
indígena.
6-
Em determinadas situações, admite-se a dupla afetação
das terras indígenas. STF, PET 3388 (Caso Raposa Serra do Sol);
7-
É inconstitucional a instalação de pedágio no
interior da terra indígena (seja pela comunidade, seja pela sociedade
envolvente). STF, PET 3388;
8-
O crime de difamação praticado em razão da
disputa por posição de cacique em comunidade indígena é de competência federal.
STJ AgRg, CC 122.555;
9-
As escolas públicas devem continuar a prestar
serviços nas terras indígenas, desde que sob liderança da União. STF, Plenário
PET 3388, ED;
10-
A demarcação da terra indígena não impede a
abertura de estradas. STF, PET 3388;
11-
Os índios não exercem qualquer poder de polícia
sob as rodovias que cruzam as áreas demarcadas. STF, PET 3388 ED;
12-
A dignidade da pessoa humana possui uma dupla
dimensão: prestacional e defensiva. STF, ADPF 45;
13-
O Estatuto do Índio prevê exceção ao monopólio
do jus puniendi pelo Estado;
14-
Segundo o Estatuto do Índio, as penas de
reclusão e detenção indígena devem ser cumpridas, sempre que possível, em regime
de semiliberdade;
15-
A comunidade indígena, quando de sua atuação
coletiva, tem prazo em dobro para recorrer. STJ, AgRg no AgRg no REsp 990.085.
(falou-se em natureza de fazenda pública para justificar o prazo em dobro);
- Algumas citações sobre as DPE e a atuação no âmbito da proteção aos direitos dos povos indígenas:
1 - DPE/RJ garante o direito de usar o nome indígena em certidões de nascimento:
http://www.rj.gov.br/web/dpge/exibeconteudo?article-id=270591
2 - DPE/MT reunião com lideranças indígenas. Busca por documentos e resolução de conflitos demarcatórios: http://www.defensoriapublica.mt.gov.br/portal/index.php/noticias/item/9536-indios-procuram-defensoria-em-busca-de-direitos-basicos-e-solucao-para-conflito
3- DPE/BA Projeto Balcão de Direitos da Defensoria em parceria com a Secretaria de Especial de Direitos Humanos da Presidência da República: atendimento jurídico, fornecimento de CTPS: http://dp-ba.jusbrasil.com.br/noticias/2509090/defensoria-orienta-indios-do-municipio-de-santa-cruz-de-cabralia
- Créditos:
Compilação por Breno Filardi @filardib;
A autoria dos “tweets” é do Thim Heemann (@thim3108). Postagem em 17/07/2016.
- Consulta Bibliográfica:
DUPRAT. Debora Macedo Britto Pereira. O Estado Pluriétnico.<http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/artigos/docs/artigos/docs_artigos/estado_plurietnico.pdf> Acesso em 19 de julho de 2016;
RAMOS, André de Carvalho. Curso de
Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo. Saraiva, 2016.
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